
Na vasta tapeçaria do samba, onde cada fio é uma história e cada cor uma emoção, poucas figuras conseguiram tecer melodias tão profundamente marcadas pela melancolia e pela poesia quanto Guilherme de Brito. Nascido em Vila Isabel, berço de Noel Rosa e palco de tantas reviravoltas da música popular brasileira, Guilherme carregava consigo a dualidade de suas raízes — um “mestiço de alemão com crioulo”, como gostava de se definir — e a sensibilidade de quem transformou dor em arte. Sua trajetória, embora não entrelaçada diariamente com os terreiros da Estação Primeira de Mangueira, foi essencial para moldar o imaginário do samba, graças a uma parceria que se tornou lendária: a dupla que formou com Nélson Cavaquinho. A vida de Guilherme de Brito foi um retrato fiel das contradições e belezas do Rio de Janeiro. Desde a infância na Rua Teodoro da Silva, onde trocava acordes de cavaquinho por frutas com um quitandeiro português, até os dias de boemia nos botecos da Praça Tiradentes, seu caminho foi pavimentado por encontros fortuitos e escolhas inevitáveis. A morte precoce do pai o lançou cedo ao trabalho, mas não apagou a chama da criação artística. Na Casa Edison, onde se aposentou como mecânico de máquinas de calcular, ele manteve distância da seção musical, como se o destino reservasse seu encontro com a música para além dos expedientes burocráticos. Foi nos bares de Ramos, entre copos de cerveja preta e rodas de samba, que Guilherme encontrou Nélson Cavaquinho — um homem tão genial quanto turbulento, cuja viola parecia extrair notas diretamente da alma. Desse encontro nasceu uma parceria que durou mais de três décadas, um pacto quase mítico de fidelidade musical. Juntos, criaram obras como “Folhas secas” e “A flor e o espinho”, canções que transcendem o tempo e se firmaram como pilares da cultura brasileira. A dinâmica entre os dois era única: Guilherme, reservado e meticuloso; Nélson, expansivo e imprevisível. Um completava o outro, como se a música só encontrasse seu sentido pleno quando os dois compartilhavam o mesmo espaço, físico ou criativo. Mas a história de Guilherme de Brito não se limita às composições. Sua pintura, tão vibrante quanto suas letras, revela outra faceta do artista. Nas telas, Nélson Cavaquinho surge descalço, com a garrafa de cachaça e o olhar perdido em algum verso não escrito; Cartola aparece em bancos de jardim, rodeado por rosas que, como diz a canção, não falam. A arte de Guilherme era extensão de sua música, uma maneira de fixar no pincel o que o violão não conseguia capturar. Este capítulo não é apenas sobre um compositor, mas sobre um homem que soube transformar a dor em beleza, a saudade em melodia, e o cotidiano em poesia. Guilherme de Brito não precisou desfilar sob o pavilhão da Mangueira para ser parte dela. Sua música é como aquela mangueira do bar do Chuveiro: sombra que refresca, raiz que segura, fruto que alimenta gerações. Afinal, quantas histórias cabem em um samba? Quantas vidas se entrelaçam nos acordes de um violão?
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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo Fonseca de. “O MESTIÇO DE ALEMÃO COM CRIOULO”. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://memoriaverderosa.com.br/guilherme-de-brito/. Acesso em: 24/04/2025.
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