Tolito: nas cores verde rosa preto e branco

Apresento a história de um saudoso compositor, que, possivelmente, foi o que mais rodou pelas escolas de samba e blocos. Refiro-me ao consagrado poeta Herlito Machado da Fonseca (6 de julho de 1917), o popular Tolito, que veio de Pernambuco para o Rio de Janeiro com 2 anos, em 1919, com a família. Existe uma divergência sobre o local de nascimento de Tolito. Segundo publicado no Dicionário Cravo Albin, Tolito é natural do Recife, PE. Já no texto de Anésio dos Santos (Cumprido) para A Voz do Morro (nº.13, maio de 1997), Tolito é natural do Rio de Janeiro.

Tolito foi casado com dona Marina e teve um único filho. Durante sua vida, morou em diferentes bairros do Rio de Janeiro. Na infância, residiu em Ramos, depois em Botafogo e, a partir de 1956, mudou-se para o Engenho de Dentro, onde viveu na Rua Doutor Niemeyer, número 64. Sua educação formal foi limitada, tendo concluído apenas até o terceiro ano primário, mas isso não impediu que ele se envolvesse ativamente na vida cultural e política da cidade, como veremos a seguir.

Botafoguense fervoroso, Tolito trabalhou como jornaleiro em uma banca localizada na Avenida Rio Branco, quase na esquina com a Rua 7 de Setembro. Esse ponto era conhecido por ser um espaço de encontro e debates fervorosos sobre futebol, samba e política. “Era uma grande muvuca”, onde não só anônimos, mas também jornalistas e figuras públicas se reuniam regularmente para trocar ideias e opiniões. Tolito, devido à sua sociabilidade, criou laços de amizade com diversas personalidades influentes, tornando-se uma referência naquele ponto singular do centro da cidade. Esse local se tornou um espaço emblemático de discussões que refletiam o fervor das paixões populares no Rio de Janeiro.

Em todas as agremiações de que participou, foi vencedor de samba-enredo. Tolito começou no Unidos de Piedade, na estação do mesmo nome, depois foi para o Unidos do Outeiro, no Engenho de Dentro. Participou, de mais duas escolas, também no Engenho de Dentro: a saudosa Acadêmicos do Engenho de Dentro e a Acadêmicos da Bulhões. Daí, foi para a recém-fundada Aprendizes da Boca do Mato, na Serra do Preto Forro, no Lins (Boca do Mato). Nessa escola, destaca-se um encontro significativo entre o jovem Martinho José Ferreira e o veterano Tolito. Tolito, conhecido por seu sucesso como compositor, teve um papel crucial no desenvolvimento artístico de Martinho, que mais tarde se tornaria o famoso Martinho da Vila.

Em uma entrevista incluída no fascículo nº 8 da coleção História das Escolas de Samba, lançada pela Som Livre, Martinho relembra a importância de Tolito em sua formação musical. “Som Livre — Foi alguma escola de samba que te transformou em compositor? Martinho da Vila — Foi e um dos culpados foi o Tolito. Som Livre — O Tolito de Mangueira? Martinho da Vila — Ele mesmo. O Tolito não tinha muita bandeira, não. Se não me engano, ele é o compositor que mais fez sambas-enredo até hoje. Não tenho certeza, mas acho que é. Antigamente, ele fazia sambas-enredo para várias escolas. Ou então ficava numa escola só, um ou dois anos, fazia o samba-enredo e ia embora para outra.” Martinho também destacou o envolvimento de Tolito na Aprendizes da Boca do Mato, mencionando que ele entrou na escola cerca de três anos após sua fundação e venceu o concurso de samba-enredo por dois anos consecutivos. Foi após essas vitórias que Martinho começou a compor suas primeiras músicas para o Carnaval: “Som Livre — Ele também foi da Aprendizes da Boca do Mato? Martinho da Vila — Uns três anos depois da escola ser criada, ele estava lá. Ganhou o samba-enredo durante dois anos seguidos. No outro ano, comecei a fazer uns sambinhas.”

O saudoso Tolito não ficava muito tempo numa agremiação e, deixando a Boca do Mato, foi ser compositor do Vai Se Quiser e do Arranco, vitoriosos blocos do Engenho de Dentro. Depois de sua passagem pelos dois blocos, Tolito foi para o G.E.S. Unidos do Capela, que posteriormente se uniu à Aprendizes de Lucas, formando a Unidos de Lucas, em Parada de Lucas, subúrbio carioca, onde venceu com vários sambas-enredo. Depois de grande sucesso na Unidos de Lucas, teve uma passagem rápida pela Portela (1970/1971) e depois chegou à Mangueira, sua última agremiação, até fazer a passagem desta para a melhor no dia 20 de março de 1997.

Tolito ingressou na Estação Primeira de Mangueira em 1972 (na Mangueira, por determinação da ala dos compositores, apenas após um ano de filiação à ala o compositor tinha permissão para inscrever um samba-enredo e competir na escola) e, apenas dois anos depois, em 1975, já conquistava destaque ao vencer o concurso de samba-enredo com Imagens Poéticas de Jorge de Lima. Com este samba, composto em parceria com Mozart Santa Rosa e o saudoso Delson Tojal, a Mangueira garantiu o vice-campeonato daquele ano. No ano seguinte, em 1976, a escola desfilou com o enredo No Reino da Mãe do Ouro, que contou com outro samba de Tolito, desta vez em colaboração com Rubens de Paula. Este samba alcançou reconhecimento internacional, sendo gravado em diversas partes do mundo, e novamente a Mangueira conquistou o vice-campeonato.

Em 1979, a Mangueira apresentou o enredo Avatar, e a Selva Transformou-se em Ouro, para o qual Tolito, mais uma vez, foi o compositor principal. Neste ano, seus parceiros na criação do samba foram Elmo José dos Santos, presidente da Mangueira, o popular Rato do Tamborim, e José Ananias, também presidente da escola. Com esse enredo, a Mangueira ficou em quarto lugar no desfile.

Em 1972, um mal-entendido entre ele e Padeirinho, relacionado à autoria de sambas, foi relatado na edição de 17 de dezembro de 1971 do Jornal dos Sports por Ruy Fernandes, transcrito a seguir: “Estão ficando loucos”, relata Tolito. “Eu não botei nem uma palavra na letra do samba-enredo do Padeirinho. O que acontece é que estão agindo de má-fé com o Padeirinho. Ele sabe que tem gente lá na Mangueira que está contra ele na bronca porque o seu samba ganhou. O que aconteceu foi o seguinte: eu ia mandar fazer uns impressos com a letra de um samba de terreiro meu e perguntei ao Padeirinho se ele queria aproveitar e fazer uns com a letra do samba do trio. Ele concordou. Mas aí nós demos uma mancada. No meu samba, eu coloquei o meu nome e, no Rio, Carnaval dos Carnavais, os autores se esqueceram de botar os seus. Eu nem percebi e mandei para a gráfica assim mesmo. Eles lá entenderam que os dois sambas eram meus e colocaram o meu nome na autoria dos dois. Logo que percebemos o engano, o Padeirinho, antes de levar o samba para o terreiro, teve o trabalho de recortar com uma tesoura o meu nome dos impressos. Com certeza, alguém mal-intencionado viu um dos impressos ainda com o meu nome e entregou ao repórter da revista. Mas não tem nada disso. O samba é do trio mesmo, e eu não colaborei em nada. Apenas divulguei, porque estava interessado na sua vitória. Tinha apostado Cr$ 300,00 nele.”

Como torcedor do Botafogo, Tolito fundou a Charanga do Botafogo em 1944. A banda, que se tornou um marco nas arquibancadas do clube, contava com o apoio direto do então presidente Carlito Rocha, responsável por viabilizar a compra de painéis, bandeiras e serpentinas que animavam os jogos. No entanto, em 1949, Tolito decidiu encerrar as atividades da Charanga1. O motivo foram as recorrentes brigas entre torcedores, cujas intenções iam além de simplesmente apoiar o time, comprometendo o propósito inicial do grupo. Esse fato foi relatado por Anibal Chain em sua tese de doutorado, Futebol, corações e mentes: os torcedores na perspectiva do Estado, apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, em 2018.

Tolito foi um dos responsáveis por minha formação como compositor de samba-enredo. Ele tinha uma habilidade impressionante de compor para diferentes escolas, sempre com sucesso (Martinho da Vila, cantor e compositor)

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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo. “TOLITO: NAS CORES VERDE ROSA PRETO E BRANCO”. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://memoriaverderosa.com.br/tolito/>. Acesso em: 20/02/2025.

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ima
gens

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  1. Charanga é um tipo de banda musical composta predominantemente por instrumentos de sopro, podendo incluir também timbales. O termo pode referir-se tanto a esse tipo específico de formação quanto a uma música desafinada tocada com esses instrumentos. No Brasil, as charangas ganharam destaque nos estádios de futebol, onde grupos de músicos, utilizando sopros e percussão, animavam as partidas ao som dos hinos dos clubes, sambas e marchinhas de Carnaval. Esses grupos ajudavam a criar uma atmosfera festiva nas arquibancadas, tornando-se parte integrante da cultura futebolística do país. ↩︎

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