
A Mangueira, com sua Bateria que pulsa como coração de um povo, é também feita de personagens cuja trajetória parece escrita pelo próprio samba. Entre os nomes que se confundem com a lenda viva da verde-rosa, está o de um menino de Niterói que viria a mudar para sempre o som da Avenida. Magro, tímido e com o pandeiro colado ao corpo como se fosse extensão da alma, Carlinhos surgiu como quem não quer nada — e tomou a cena como se dela sempre tivesse sido dono. Filho de Georgina e Valdemiro, cresceu entre a costura das roupas e o batuque improvisado nas latas de casa. A infância apertada não impediu que florescesse a vocação. Quando um amigo da família, Dimas, o levou pela primeira vez à Cerâmica — onde a Mangueira ensaiava —, a reverência daquele garoto ao que via e ouvia era o presságio de uma entrega absoluta. Aquela batida de surdo que fez seu peito vibrar era mais que som: era um chamado. E ele atendeu. Foi na Unidos do Cabuçu, numa dessas caravanas boêmias tão comuns entre as Escolas, que seu talento atravessou o anonimato. O pandeiro falava mais alto, dançava nas mãos de Carlinhos com acrobacias quase mágicas. Xangô ouviu. Roberto Paulino notou. E ali mesmo, entre olhares cúmplices e aplausos improvisados, o menino ganhou sua primeira fantasia. A passarela seria o próximo palco. A Mangueira, seu destino. A fama de Carlinhos correu mais rápido que o compasso da bateria. O título de “Pandeiro de Ouro” não foi apenas um prêmio — foi a consagração de um estilo. Coreografias que desafiavam a gravidade, rodas que ganhavam vida nas mãos dele e de seus parceiros de trio. Um espetáculo que não precisava de palavras para emocionar. Carlinhos tornou-se símbolo, embaixador, patrimônio vivo da Mangueira — mesmo quando divergências o levaram, por um breve intervalo, a vestir outra fantasia. Seu nome cruzou oceanos. Tocou para rainhas, presidentes, estrelas. Mas o que lhe dava brilho não era o ouro literal dos troféus ou a cartola enfeitada: era o olhar marejado ao ver a Escola descer o Morro. Era o gesto de entregar um dos pandeiros ao Presidente Juvenal Lopes em nome da gratidão. Era a volta triunfante à Quadra depois de um mal-entendido, selada com o perdão de quem entende que a alma do samba não aceita ressentimentos duradouros. Hoje, Carlinhos é mais que destaque: é Baluarte da Mangueira. Com seu pandeiro, riscou no ar coreografias que o tempo não apaga, inscrevendo-se na história como um dos mais inventivos ritmistas do Brasil. Ele não apenas acompanhou a Bateria — ele a reinventou, com leveza, precisão e alma. Do menino que amassava tabuleiros para treinar pandeiro ao símbolo maior da percussão na Avenida, o que se desenha é mais que uma trajetória artística — é uma travessia de fé, ritmo e resistência. A seguir, os passos que moldaram esse compasso inesquecível.
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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo Fonseca de. PANDEIRO NAS MÃOS, MUNDO NOS PÉS. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://memoriaverderosa.com.br/carlinhos-do-pandeiro/>. Acesso em: 24.04.2025.
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