Zé Crioulinho: todo mundo te conhece ao longe

José dos Santos, mais conhecido como Zé Crioulinho, nasceu em São Fidélis, uma pequena cidade do interior do Rio de Janeiro, em 12 de novembro de 1920, mas sua vida foi moldada e transformada pelo Morro da Mangueira. Ainda muito pequeno, aos dois anos de idade, mudou-se com a família para a comunidade que viria a ser sua morada. Crescendo entre becos e ladeiras, Zé Crioulinho teve contato cedo com a música e a vibração que pulsavam no morro. Aos 12 anos, já era ritmista da bateria da Mangueira, onde se destacava no surdo, instrumento que marcaria sua trajetória para sempre. Foi nessa mesma época que ganhou o apelido que o acompanharia por toda a vida, embora ninguém saiba ao certo como surgiu. Zé Crioulinho casou-se com Odinéia Diniz dos Santos, a tia Néia, que também carregava as raízes profundas da música mangueirense em sua família. Odinéia era irmã de Geraldo da Pedra, compositor reconhecido, e de Cremilda, esposa de Padeirinho, outro grande nome do samba. Juntos, Zé e tia Néia formaram uma família numerosa, criando 15 filhos. Entre eles, Neide dos Santos destacou-se ao tornar-se madrinha da ala da bateria da Mangueira. Outro exemplo dessa continuidade é Bozó, Denílson dos Santos, também ritmista da bateria, que mantem a tradição musical herdada. A trajetória de Zé Crioulinho na Estação Primeira de Mangueira começou cedo. Ainda menino, ingressou no universo do samba como mestre-sala mirim, dançando ao lado de Cecéia, irmã de dona Neuma, uma das matriarcas da escola. Com o passar dos anos, ele foi assumindo papéis de maior responsabilidade e impacto na Mangueira. Fundou, junto com Waldomiro e Waldyr Marcelinho, a ala da bateria, um dos pilares da escola. Seu envolvimento não parou por aí. Ele também atuou como tesoureiro da ala dos compositores. Além disso, acompanhou, tocando surdo, grandes nomes da música brasileira, como Noel Rosa, Zé Com Fome, Pixinguinha e Ataulfo Alves. Essa proximidade com figuras tão marcantes reforça a importância de Zé Crioulinho não apenas na Mangueira, mas na história do samba carioca como um todo. Um dos marcos de sua contribuição para a Mangueira foi a introdução da marcação única da bateria, característica que diferenciaria para sempre a escola. A ideia de Zé Crioulinho era simples, mas profundamente inovadora: manter o surdo sem resposta, criando uma batida forte, singular e pulsante. Essa escolha não foi feita ao acaso. A história da Mangueira está diretamente ligada à sua localização. O morro está inserido em um espaço histórico, onde a Quinta da Boa Vista e a residência da Família Imperial Brasileira dividiam o mesmo quarteirão. As bandas marciais da época, que realizavam desfiles e ensaios pela atual Rua Visconde de Niterói, fascinavam a população local, especialmente pelo ritmo marcado e pelo som envolvente do bumbo. Essa influência foi absorvida pelos sambistas, e Zé Crioulinho, atento e criativo, decidiu adaptar essa cadência à bateria da escola. Foi um ato de coragem e ousadia, já que implicava romper com a tradição das baterias de outras agremiações, que costumavam trabalhar com o surdo de resposta. Com essa inovação, Zé Crioulinho imprimiu na bateria da Mangueira um som inconfundível, que até hoje ecoa nos desfiles. Como dizem: “Não procure resposta no regimento da bateria. Quem responde é o coração de quem ouve, fazendo um dueto de batidas firmes e apaixonadas.” Mais do que um músico ou um inovador, Zé Crioulinho tornou-se uma figura emblemática, alguém que personifica a essência da Mangueira. Sua dedicação, sua paixão e seu trabalho constante pela escola são a prova de que, “por mais forte que o galho seja, quem sustenta o tronco é a raiz!” Ele não apenas integrou a história da Mangueira, mas ajudou a construir os alicerces que sustentam a escola até hoje. Zé Crioulinho baluarte da Estação primeira de Mangueira (cadeira número 13), nos deixou em 19 de abril de 1998, e ao olhar para sua vida, uma pergunta inevitável surge: o que seria do samba e da Mangueira sem a força de personagens como Zé Crioulinho, que dedicaram sua existência a cultivar e fortalecer uma das maiores expressões culturais do Brasil?

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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo. “ZÉ CRIOULINHO: TODO MUNDO TE CONHECE AO LONGE”. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://memoriaverderosa.com.br/ze-crioulinho/>. Acesso em: 21/02/2025.

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