Um intérprete com uma voz única, dono de um timbre especial e um bordão inconfundível – “Vai meu rrrrritmo”, com uma pronúncia que alonga o “r” – e uma imagem característica e singular (alto e magro, óculos com lentes no fundo da garrafa e uma enorme cabeça de cabelo preto). Ele foi um dos principais destaques da ascensão da Unidos da Tijuca na primeira metade da década de 1980. Sobrinho começou a cantar em grupos carnavalescos até que, por volta de 1973, foi descoberto pelo compositor mangueirense Tolito, que o levou para a Estação Primeira.
Ao chegar na verde-rosa, o jovem Fábio Crispiniano do Nascimento tornou-se membro da corte e teve que aprender mais de 20 sambas de terreiro do zero para animar os ensaios. “Posso cantar cerca de 200 sambas da Mangueira. Canto coisas que nem os próprios compositores lembram”, brincou o intérprete. O apelido veio do próprio Tolito e do intérprete Jamelão. O novato não tinha carteira da Mangueira e demorou muito tempo para que os funcionários da escola a produzissem. Um dia, ele chegou na quadra da verde-rosa, acompanhado de Tolito, que disse na entrada: “Pode deixá-lo entrar porque ele é meu sobrinho”. Jamelão também apresentava Fábio como sobrinho. Então, o apelido se tornou seu nome artístico.
Em 1975, o cantor teve sua primeira grande oportunidade de gravar em um disco de samba enredo, interpretando “Imagens poéticas de Jorge de Lima”, uma composição de Tolito, Delson e Mozart. No entanto, mesmo com esse feito, ele não conseguiu um lugar no carro de som da escola de samba Manga, que na época era exclusivo para Jamelão e Zagaia.
No ano seguinte, o cantor decidiu se transferir para o Império Serrano. Lá, ele teve a chance de dar voz ao samba “Lenda das sereias do mar”, de Vicente Mattos, Dionel Sampaio e Veloso, tanto no disco quanto na quadra da escola. No entanto, sua experiência não foi livre de obstáculos. Antes do desfile começar, o cantor foi impedido de cantar pelo titular Roberto Ribeiro, que se recusou a dividir o microfone com ele. Segundo o próprio cantor, a escola não reconheceu o samba devido à diferença de tonalidade entre sua gravação e a interpretação de Roberto, o que resultou em um desempenho aquém do esperado na avenida.
Após alguns anos afastado das gravações, Sobrinho ressurgiu em 1981 com grande estilo ao ser contratado como cantor principal da Unidos da Tijuca, que retornava ao Grupo Especial após 22 anos. Na avenida, ele apresentou o histórico samba “Macobeba – O que dá pra rir, dá pra chorar”, dos compositores Celso Trindade, Nêga, Azeitona, Ronaldo, Ivar, Buquinha e Edmundo Araújo Santos. Esse samba foi resultado da junção feita pelo diretor de harmonia Laíla com os três sambas finalistas na disputa da escola. Durante os quatro carnavais em que esteve na escola do Morro do Borel, Sobrinho se tornou uma das marcas registradas da agremiação naquele período.
Além de sua passagem pela Unidos da Tijuca, Sobrinho também era intérprete na Unidos de Bangu, onde puxava sambas. Sua participação no carnaval de Manaus começou em 1981, por recomendação do amigo Ney Vianna, intérprete da Mocidade Independente de Padre Miguel. Posteriormente, Sobrinho foi contratado pela Mocidade Independente de Aparecida, escola afilhada da verde e branco de Padre Miguel, onde permaneceu por cerca de 20 anos.
Durante o desfile da Unidos da Tijuca em 1983, Sobrinho impressionou o rei Roberto Carlos, que estava presente na Marquês de Sapucaí naquele ano. Em uma entrevista à Rede Globo, Roberto afirmou ter ficado maravilhado com a voz “daquele negão que entoou o samba ‘Brasil, devagar com o andor que o santo é de barro’ (dos autores Djalma e Eli)”. Em uma entrevista ao site O Batuque, em 01 de junho de 2009, Sobrinho recordou o momento com o Rei: “quando eu passei em frente ao camarote, Roberto Carlos ficou surpreso ao ver um cara magro, com uma cabeça grande e óculos fundo de garrafa. Chegou a pensar que a voz era de um negão. E ele ainda pensava que eu trotava enquanto cantava. Na verdade, eu fazia um movimento para ajudar o diafragma. Depois de tudo isso, Roberto disse: ‘Bonito’. Então, nas palavras do Rei, eu sou bonito. Palavra de rei não volta atrás”, brincou o intérprete.
A interação entre Sobrinho e Roberto Carlos durante o desfile da Unidos da Tijuca em 1983 foi marcante e ficou registrada na memória de ambos. A surpresa do Rei ao descobrir que a voz potente vinha de um intérprete magro e com óculos fundo de garrafa mostra como a arte pode surpreender e transcender expectativas. A troca de elogios e a brincadeira sobre a beleza nas palavras do rei demonstram a admiração mútua entre os dois artistas naquele momento especial. A história revela não apenas a qualidade artística de Sobrinho, mas também a capacidade de emocionar e surpreender até mesmo uma lenda da música como Roberto Carlos.
Após o carnaval de 1984, a carreira do puxador da Unidos da Tijuca tomou um rumo inesperado quando ele foi contratado pela Unidos de Vila Isabel para substituir Marcos Moran. Ele teve a oportunidade de gravar o samba “Parece até que foi ontem”, de David Corrêa, Jorge Macedo e Tião Grande no disco de 1985, mas acabou sendo dispensado pela diretoria da Vila semanas antes do desfile.
A diretoria da Unidos de Vila Isabel optou por dar o microfone principal para o compositor David Corrêa, deixando Sobrinho sem função na escola de samba. No entanto, logo em seguida, ele conseguiu uma vaga na Imperatriz Leopoldinense para cantar o samba “Adolã, a cidade-mistério”, como apoio do estreante Preto Joia, que tinha o microfone até mais alto do que o cantor oficial. Essa reviravolta na carreira de Sobrinho mostrou sua resiliência e capacidade de se adaptar a novas situações.
Sobrinho surgiu novamente após dois anos para defender a Tupy de Brás de Pina, no Grupo 2-A. Ele desfilou na Tupy em 1987 e 1988, quando a escola foi promovida para o Grupo 1-B. E eis que o bom filho retorna à casa. Em 1989, de volta à Mangueira, ele se juntou ao grupo de cantores auxiliares do mestre Jamelão. De volta à verde e rosa, ele ajudou a entoar “Trinca de reis” (Fandinho, Ney da Mangueira e Adilson do Violão), em homenagem aos três reis da noite carioca Walter Pinto, Carlos Machado e Chico Recarey. Seu destaque nesse samba foi no verso “mas hoje / tem o Chico Recarey” e Sobrinho enfatizava, com sua voz potente: “Re-ca-rey”. No ano seguinte, ele defendeu com Jamelão e Jurandir o incrível “E deu a louca no Barroco” (Jurandir, Hélio Turco e Alvinho), que acabou conquistando o Estandarte de Ouro1 de Melhor Samba do Grupo Especial do carnaval de 1990, através da votação do júri especializado do jornal O Globo. Logo em seguida, foi contratado para ser a principal voz da Acadêmicos de Santa Cruz, substituindo Carlinhos de Pilares, que voltou para a Caprichosos. Sobrinho permaneceu por três carnavais na verde e branca da zona rural. Em seu primeiro ano, em 1991, ele interpretou “Boca do inferno”, enredo em homenagem ao escritor Gregório de Mattos. O samba, composto por Tião da Roça, Doda, Luiz Sérgio, Mocinho, Giovanni e Carlos Henry, ganhou o Estandarte de Melhor Samba do Grupo A. Devido a um apagão na Marquês de Sapucaí durante sua apresentação, a escola – que era uma das favoritas ao título – desfilou no escuro e não foi avaliada. Por fim, a Santa Cruz ganhou na justiça o direito de desfilar entre as grandes no carnaval do ano seguinte.
Em 1992, Sobrinho interpretou o samba “De quatro em quatro, eu chego lá” (Tião da Roça, Geovani, Nei, Luiz Carlos, Jaime e Brucutu), resultando no rebaixamento da escola. No ano seguinte, em seu terceiro ano consecutivo na Santa Cruz, ele cantou “Quo vadis, meu negro de ouro”, de Doda, Zé Carlos, Carlos Henry, Luis Sérgio, Mocinho e Carlinhos 18. Em 1994, Sobrinho retornou pela terceira e última vez à Mangueira, onde a escola contou com um grupo de intérpretes raramente reunidos no carnaval carioca.
Além da liderança de José Bispo Clementino dos Santos no carro de som, o grupo de apoio que cantou “Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu” era composto por Sobrinho, Rixa, Eraldo Caê (preparado por mais de uma década para substituir Jamelão) e David Corrêa, um dos compositores do samba. A obra conta com a assinatura de Fenando de Lima, Carlos Sena e Paulinho de Carvalho. Sobrinho fez sua última participação na Mangueira em 1995, não retornando à Marquês de Sapucaí desde então.
O desaparecimento de Sobrinho gerou muitas especulações ao longo dos anos, levando até mesmo à crença de que o sambista havia falecido nos anos 90. Mesmo com seu paradeiro desconhecido, ele ainda aguardava ansiosamente por um convite para cantar Marquês de Sapucaí. No entanto, sua visão comprometida devido a uma miopia avançada dificultou sua trajetória nos últimos anos.
Mesmo assim, Sobrinho foi anunciado como intérprete auxiliar de Ito Melodia na União da Ilha do Governador para o desfile de 2007, mas não conseguiu se adaptar ao samba e foi dispensado antes do carnaval. Mesmo após sua aposentadoria na década de 2010, ele enfrentou dificuldades financeiras e de saúde, incluindo problemas de visão causados pela diabetes. Apesar disso, era comum vê-lo em bares da Tijuca, onde morava, cantando sambas com os vizinhos. Faleceu devido a um infarto em 14 de julho de 2018.
Uma faceta pouco conhecida de Sobrinho é que ele também era compositor. Ele foi o autor de vários sambas de quadra da Estação Primeira de Mangueira (usando o pseudônimo “Sobrinho da Mangueira”) e no bloco carnavalesco Vai Se Quiser: em 1975, ele compôs o samba “Máscaras e plumas” em colaboração com Sylvio Paulo, que mais tarde se tornaria intérprete da escola de samba Arranco do Engenho de Dentro. Sobrinho também deixou registrado “Sorriso aberto”, uma bela composição em parceria com Rita de Cássia. Essa faixa deu nome ao primeiro álbum da cantora baiana Milena (1942 – 2020), lançado em 1975 pela gravadora Odeon.
A trajetória de Sobrinho no carnaval carioca foi marcada por passagens em diferentes escolas de samba, contribuindo com sua voz e talento para diversas apresentações memoráveis. Seu legado como intérprete é lembrado até hoje, especialmente pelas performances marcantes que realizou ao longo dos anos. Mesmo após sua última participação em 1995, Sobrinho permanece como uma figura importante na história do samba e do carnaval do Rio de Janeiro2.
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- Estandarte de Ouro é o mais antigo e importante prêmio extraoficial do carnaval do Rio de Janeiro, sendo conhecido como “Óscar do samba” ou “Óscar do carnaval”, numa referência ao Prêmio Óscar. Foi criado em janeiro de 1972, numa conversa de bar entre os jornalistas do O Globo Heitor Quartin e Roberto Paulino. O prêmio é organizado e oferecido pelos Jornais O Globo e Extra à personalidades e segmentos que se destacaram nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. A primeira edição ocorreu no carnaval de 1972, sendo entregues prêmios em dez categorias. Ao longo dos anos, novas categorias foram criadas, enquanto outras foram extintas. Desde 2014 são entregues quinze prêmios ao Grupo Especial (a primeira divisão do carnaval carioca) e dois prêmios à Série A (a segunda divisão). A premiação é dividida em categorias individuais (como melhor mestre-sala, melhor porta-bandeira, entre outras) e categorias coletivas (melhor samba-enredo, melhor bateria, entre outras). O Estandarte de melhor escola é considerado o prêmio principal. Um júri formado por jornalistas e artistas ligados à música e às artes assistem aos desfiles em um camarote reservado no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, e, após a última apresentação, se reúnem, em um debate, para eleger os premiados em cada categoria. O resultado é divulgado ao final da reunião, na terça-feira de carnaval, pouco depois do último desfile. Cerca de uma semana após o desfile das campeãs, é organizada uma festa para a entrega dos troféus aos vencedores. ESTANDARTE DE OURO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2024. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Estandarte_de_Ouro&oldid=67514789>. Acesso em: 20 fev. 2024. ↩︎
- Disponível em: <https://www.sambariocarnaval.com/index.php?sambando=sobrinho>. Acesso em: 17 fev. 2024 ↩︎