Relíquias da Bahia, carnaval 1963

Dando um mergulho no passado, vamos relembrar um momento marcante na história da Estação Primeira de Mangueira: o carnaval de 1963 e seu enredo “Relíquias da Bahia”. Mas para entender completamente o impacto desse desfile, precisamos retroceder um ano antes, para o carnaval de 1962. Naquele ano, a Mangueira, com seu enredo “Casa grande e senzala”, estava destinada a ser a grande campeã, pelo menos aos olhos do público, da crítica e das outras agremiações. No entanto, os votos baixos de uma jurada, a artista plástica Ana Letycia, foi o suficiente para colocá-la em quarto lugar. Os rumores na época sugeriam que a jurada tinha uma aversão às cores verde e rosa, o que custou caro à Mangueira. Mas como isso afetou o Carnaval de 1963? Bem, de diversas maneiras. Primeiro, levou à renúncia do então presidente Roberto Paulino, abrindo caminho para a liderança de Manuel Pereira Filho, mais conhecido como Beleléu. Sob sua gestão, a escola investiu pesadamente para reconquistar a glória perdida. E a Mangueira não decepcionou. Com um desfile repleto de luxo e esplendor, suas alegorias e fantasias deslumbraram os espectadores, desde o chafariz de Salvador até as imponentes figuras de Rui Barbosa e Castro Alves. A bateria, composta por 90 ritmistas, manteve o ritmo vibrante do samba da ala dos compositores, enquanto os casais de mestre-sala e porta-bandeira encantaram com sua graça e destreza. E assim, às 2 horas da manhã, com a avenida agitada de expectativa, a Mangueira surgiu, majestosa, mostrando ao público o que é tradição e excelência no carnaval. Com sua melodia envolvente, suas alegorias deslumbrantes e seu desfile impecável, a Estação Primeira de Mangueira solidificava seu lugar como uma das grandes protagonistas da folia.
Uma história de superação e glória! Saiba como a Mangueira transformou a adversidade em triunfo no carnaval de 1963. Boa leitura e se encante com os detalhes dessa jornada épica.

O legado de 62: como um carnaval marcado por controvérsias moldou a Mangueira

Vamos começar falando sobre o carnaval de 1963, enredo “Relíquias da Bahia”, da Estação Primeira de Mangueira, relembrando o carnaval de 1962. Naquele ano, a Mangueira foi duramente prejudicada. Com o enredo “Casa grande e senzala”, era considerada a grande favorita pelo público, pela crítica e até mesmo pelas outras agremiações. No entanto, uma única jurada, a artista plástica Ana Letycia, deu uma nota baixa para a escola (quesitos: fantasia, bandeira e comissão de frente). Dizia-se na época que isso aconteceu porque ela não gostava das cores verde e rosa, o que resultou na Mangueira terminando em quarto lugar.

Você deve estar se perguntando: como isso afetou o Carnaval de 1963? Bem, afetou de várias maneiras. Primeiramente, levou à renúncia do então presidente Roberto Paulino. Uma junta governativa, liderada por Manuel Pereira Filho, conhecido como Beleléu, foi criada e assumiu o comando da escola. Além disso, muitos componentes da Mangueira, supostamente consideraram desistir de desfilar em 63.

O presidente Roberto Paulino, em seu livro “Do Country Club à Mangueira” (Rio de Janeiro: Letra Capital Editora, 2003), relembra o carnaval de 1962, bem como a sua renúncia a presidência da escola:

Em 1962, com “Casa grande e senzala”, talvez na melhor apresentação da Mangueira em todos os tempos, fomos infame e impiedosamente garfados nos itens fantasia, bandeira e comissão de frente, com notas baixas dadas pela única juíza dos três quesitos, a artista plástica Ana Letycia. Diziam à época — não sei se foi verdade — que ela teria dado essas notas baixas por não gostar de verde e rosa. Se foi assim mesmo, o absurdo é maior ainda, pois verde e rosa são as cores da Estação Primeira e àquela época as escolas usavam rigorosamente suas cores. Se foi uma questão de gosto, vá lá, paciência, pois o julgamento é muito subjetivo. E essa queixa de “garfação” não é desculpa de presidente derrotado. Naquele ano, eram unânimes as opiniões da imprensa, do povo e até dos componentes e diretores das outras escolas de samba, de que o carnaval era uma barbada para a Mangueira. No dia seguinte ao desfile, saímos eu, Licinho, Timbira, Manoel Luciano, Walter Brandão, e mais alguns que não lembro agora, sem qualquer identificação de pertencermos à Mangueira, pelas ruas do Rio, perguntando quem havia ganho o desfile. Deu mais de 80% para a Mangueira. (…)

O dia da apuração do carnaval de 1962 foi muito ruim pra mim. Meu avô paterno faleceu pela manhã. Por isso, não fui à apuração. Mas quando soube do resultado estapafúrdio, fiquei arrasado. Quando, depois do enterro, ia para a Mangueira, encontrei dois amigos da Portela (acho que um deles era o Mazinho, filho do Natal). Eles me deram um abraço e “sinceros pêsames”. A Portela havia sido a beneficiada campeã e, no primeiro momento, achei que eles estavam me gozando. Quase dei uma resposta atravessada, dura. Mas aí me lembrei da morte do meu avô. Os pêsames eram por isso e não pela Mangueira. Não me passou pela cabeça que eles já soubessem do falecimento. Mas essa derrota pra lá de injusta — vamos ficar só na injustiça para não falar em sacanagem — bateu muito forte em mim. Afinal, tínhamos a quase unanimidade a nosso favor e sabíamos que a vitória seria mais que merecida. Seria justa, insofismável. Fiquei muitos dias triste, deprimido, revoltado. Mas ela me ensinou multas coisas. (…)

Mas, na verdade, a má colocação de “Casa grande e senzala” me desanimou muito. Passei a achar que não valia a pena esforço tão grande. E pensei, também, que eu deveria ter feito alguma coisa errada, sei lá. Sei que a presidência da Mangueira passou a me parecer um fardo insuportável. Depressivo. Deprimente. Fiz uma carta de demissão, apresentei a prestação de contas, da qual eliminei todas as dívidas que ainda existiam — assumi-as integralmente — e entreguei o cargo. Por um acordo, Beleléu assumiu. (…)

Mas a diretoria que nos substituíra não ia bem. Beleléu estava com muitos problemas pessoais1 e a cabeça fora para o pé. Acabaram me chamando para reassumir a presidência, pelo menos para garantir aquele carnaval. Começamos, então, a trabalhar muito tarde para a escola. Enquanto isso, a Só Vai Quem Pode ia de vento em popa. Combinei que reassumiria, mas desfilaria pela ala. Darque, Xangô e alguns outros ficariam com a responsabilidade do desfile. Fizemos o enredo, “Relíquias da Bahia”, os figurinos, bolamos as alegorias e demos a partida no barracão. Mas, pelas circunstâncias, não esperávamos grandes resultados. O samba, de Hélio Turco, Cícero e Pelado (mais uma vez) era muito bom, como sempre. O desfile foi bem razoável. A Só Vai Quem Pode, comandada por Mussum e Roxinho, estava muito bem ensaiada e fez um belo desfile. A Mangueira ficou em terceiro lugar, o que foi considerado muito bom, dentro das condições de que dispúnhamos. Foi o primeiro desfile realizado na avenida Presidente Vargas.

A renúncia de Roberto Paulino foi noticiada em vários jornais da época, como por exemplo: Jornal do Brasil 25/02/1963: “A verde-rosa, campeã por tantos anos, vai ao desfile de um momento de crise na sua diretoria, quando o presidente Roberto Paulino resolveu se afastar. Mas eleita uma junta governativa, a famosa ‘Manga’ se recompôs e, organizada, pretende ganhar o título.”. Já sobre o “boato” de que a Mangueira não iria desfilar em 1963, no Correio da Manhã de 01/02/1963, o desmentido. Com o título: “Estação Primeira comparecerá ao desfile como forte candidata”, a matéria desmente o boato bem como informa sobre os preparativos da escola para 63.

Está definitivamente afastada a hipótese da ausência da E.S. Estação Primeira, de Mangueira, no superdesfile de domingo gordo na avenida Presidente Vargas. Agora, resignados com a colocação — que consideram injusta obtida no carnaval passado, os mangueirenses dedicam-se, com entusiasmo, aos preparativos para a grande competição, quando apresentará o enredo “Relíquias da Bahia”. As alegorias estão sendo confeccionadas nas dependências da cia. Cerâmica Brasileira, enquanto os ensaios são realizados às quintas-feiras e domingos, sempre com grande frequência de sambistas da velha “Manga” e de escolas e convidados em geral.

No jornal O Globo de 15/01/1963, foi publicada outra matéria abordando o “desinteresse” da Mangueira pelo carnaval e o “boato” de que a escola não participaria do desfile em 1963. Para este carnaval, a Mangueira fez sugestões aos organizadores do desfile e aos diretores da maioria das grandes escolas de samba, porém, tais sugestões não foram aceitas. Com o título “Mangueira vai desfilar sem interesse por prêmios”, o texto diz:

Com pouco entusiasmo, em consequência do abalo sofrido com a quarta colocação que lhe deu o júri, no desfile passado, a escola de samba Estação Primeira (Mangueira), prepara-se para o próximo carnaval. A velha agremiação, sofreu grande desfalque em seus quadros, pois mais de 100 componentes rasgaram suas fantasias e abandonaram o samba, decepcionados com o resultado do ano passado. Resolveram não desfilar esse ano porque — disseram — “não vale mais a pena fazer tanto esforço; conquistar o público, e ser derrotado, desmoralizado e humilhado por uma comissão julgadora que nada entende de samba”. Mas, mesmo assim, Mangueira vai desfilar para manter acesa a velha tradição da “escola”, não se interessando pela opinião da “comissão” ou pelos prêmios oferecidos. Foi o que resolveram os sambistas, depois que perceberam não haver nenhum interesse na sugestão apresentada aos organizadores do desfile e aos diretores da maioria das grandes escolas de samba: que os membros do júri fossem coreógrafos e pessoas conhecedoras de enredos históricos e do samba brasileiro. Fica, assim, desmentida a notícia divulgada por um matutino, segundo a qual a Mangueira não desfilaria este ano. Segundo Manuel José Dias e Neuma Gonçalves da Silva, figuras de proa da Mangueira, a informação ao jornal foi dada por “Fumaça”, que usou indevidamente os nomes de alguns diretores, afirmando como atual uma das opiniões surgidas nas discussões da época que os ânimos estavam mais exaltados e a maioria pretendia desligar a escola do Departamento de Turismo. Assim, não obstante as dificuldades em reorganizar o pessoal, a junta diretora, tendo à frente o presidente Manuel Pereira Filho, vem aos poucos conseguindo arregimentar os sambistas, convencendo-os dos novos objetivos e a finalidade da participação no desfile de 63.

Depois de lamentar a atitude dos elementos que se deixaram abater, desta vez pela derrota, os diretores da Estação Primeira falaram: “Disseram que não soubemos perder e muitos nos condenaram. Mas, nossa revolta não é produto da derrota, mas a humilhação da quarta colocação quando, pela reação do público, estávamos certos da vitória. Fomos à rua para conquistá-la. Perdemos durante vários anos sem reclamar e, embora discutíssemos a portas fechadas, sempre concluíamos por encontrar o motivo da derrota. Com dedicação e entusiasmo esperamos vários anos para conquistar o título de primeiros campeões do Estado da Guanabara e estávamos certos do bi, mas fomos derrotados pela incompetência de uns poucos. Por isto, fazemos um apelo às autoridades no sentido de que haja critério na indicação dos elementos do júri, evitando-se a repetição de erros desastrosos e clamorosos. Que não se desestimulem as grandes ou pequenas escolas de samba, porque há em todas elas um profundo e respeitoso amor ao samba.”

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Elegância e resiliência: a preparação da Mangueira para brilhar no carnaval de 63

Começarei lembrando o carnaval de 1963 da Estação Primeira de Mangueira, transcrevendo um artigo assinado por Álvares da Silva para O Cruzeiro (16/01/1963). Nele, mergulhamos nos bastidores da Estação Primeira de Mangueira para desvendar como foram investidos os 40 milhões de cruzeiros, equivalente a cerca de 2 mil salários de um trabalhador, para o desfile. Cada um dos sócios da escola estava comprometido em desembolsar aproximadamente um salário-mínimo da Guanabara em prol de uma fantasia de luxo. Este investimento não foi apenas financeiro, mas simbólico, um compromisso com a excelência e a tradição que Mangueira representa. A determinação da comunidade mangueirense foi evidente: não havia espaço para a derrota. Após o golpe sofrido no ano anterior, quando a escola alcançou apenas um modesto quarto lugar, a busca pela redenção foi uma missão inegociável. Uma das grandes novidades daquele ano foi a comissão de frente, composta por talentosas sambistas, que cuidadosamente selecionaram os modelos das fantasias, inspiradas nos icônicos figurinos franceses. Essa escolha meticulosa prometeu trazer um toque de elegância e sofisticação ao desfile, elevando ainda mais o prestígio da Mangueira. Com um investimento tão significativo e um espírito resiliente, Mangueira preparou-se para surpreender e encantar mais uma vez nas avenidas do Rio de Janeiro. Eis o texto:

Dois mil salários-mínimos fazem o samba de Mangueira

Ignorando os planos econômicos e de contenção de despesas e preferindo a tese desenvolvimentista, os dirigentes da Estação Primeira, de Mangueira, decidiram aumentar este ano o investimento na estrutura de sua escola de samba, porque estão empenhados em ganhar o carnaval perdido em 1962. Cada um dos sócios da escola, que funciona como uma empresa comunitária, mas sem preocupação de lucro, gastará perto de um salário-mínimo da Guanabara por uma fantasia de luxo que é confeccionada sob segredo, para evitar que os serviços de espionagem de outras escolas adversárias conheçam antecipadamente o estilo da batalha. Esta reportagem revela o segredo de Mangueira — como serão gastos os 40 milhões de cruzeiros, ou cerca de 2 mil salários de um trabalhador para o desfile de 2h na Av. Rio Branco.

Aos seus terríveis adversários de todos os anos no asfalto da avenida Rio Branco — pois no morro eles se entendem e se chamam de irmãos — o senhor Manuel Pereira Filho, presidente da escola de samba Estação Primeira, de Mangueira, previne que está preparado para a guerra a ser travada na segunda-feira de carnaval e que usará de todos os instrumentos para ganhá-la. Não admite a derrota porque Mangueira precisa vingar-se do golpe recebido no ano passado, quando chegou num modesto quarto lugar, o que provocou uma crise interna de que ainda não se refez.

A diretoria reuniu os sócios da escola e foi deliberado que Mangueira fará o investimento e o esforço possível para recuperar o título de campeã do carnaval. Os quarenta milhões de cruzeiros arrecadados entre os que integram a escola e participarão do desfile serão gastos principalmente na confecção de fantasias luxuosas, inspiradas no enredo “Relíquias da Bahia”, com dados fornecidos pelos jornalistas Odorico Tavares e Darwin Brandão no livro que escreveram juntos sobre o corpo e a alma da Bahia.

Uma comissão de frente, constituída de moças sambistas, escolheu os modelos das fantasias inspirados em figurinos franceses. Neuma, a “indumentarista”, informa o que precisa e os preços dos tecidos: renda de 10 metros por 90 de largura para cada figurante a 4.200 cruzeiros o metro. Forro de renda rosa a 2.200 cruzeiros. Luva de pelica. Peruca a 4.000 cruzeiros. Brincos e colares custam 8.000 cruzeiros. Para fazer o vestido na costureira, 5.000 cruzeiros. Mais 4.000 cruzeiros de aviamentos e bordados. Está pronta a fantasia. Preço: 65.000 cruzeiros.

O presidente Manuel Pereira Filho diz que a sua escola sairá com 35 figuras de destaque, sendo 25 homens e 10 mulheres, com as fantasias mais luxuosas, mas ainda não sabe o total de sambistas que desfilarão pela avenida Rio Branco, e isto impede que faça um cálculo aproximado da quantidade de metros de tecidos empregada na confecção das fantasias. Nylon, seda, cetim de todas as cores — estes são os tipos de tecido preferidos pelas mulheres da escola de Mangueira e aceitos pelos homens, que entregam a decisão final à comissão de frente, cuja autoridade é indiscutível na matéria. Nem o presidente nem os sambistas estranham os altos preços das mercadorias que estão adquirindo, e alegam que, no ano passado, percebiam o salário-mínimo de 13.440 cruzeiros e este ano ganham 21.000.

No ano passado Mangueira levou às ruas do Rio, dentro dos cordões, mais de 1 500 pessoas, e seus dirigentes acham que tanta gente prejudica a disciplina da escola. Isso, em última análise, teria sido o fator preponderante da derrota de 1962. Para este ano, pretendem os responsáveis recrutar um número menor de sambistas categorizados.

Neuma, a “indumentarista”, integrará a Ala das Caprichosas, e diz que o modelo a ser usado é saia e blusa de bordado inglês plissado, com bicos de cetim bordado. Os calçados são de camurça, pelica e vaqueta, de cor verde, forrados com a mesma fazenda do vestido. Tem sombrinha de nylon e cetim verde-rosa. Delegado, o mestre-sala, comprou por 9.600 cruzeiros um tecido para forrar o chapéu de malandro.

Com a derrota no carnaval passado, a escola de samba Estação Primeira, de Mangueira, perdeu o entusiasmo, principalmente depois que o seu presidente Robertinho da Cerâmica abandonou o posto. Mas a verdade é que moças, senhoras e rapazes da zona sul da cidade decidiram trocar as elegantes boates de Copacabana pelo samba autêntico do morro. Escolheram Mangueira, onde aprendem a sambar bem. Os ensaios da escola são frequentados por gente de sociedade e intelectuais boêmios. Daí partiu a decisão dos dirigentes de Mangueira de reunir os elementos necessários à vitória que pretendem conquistar.

Depois de tudo isso, os sambistas de Mangueira, que vão sair com uma bateria de 120 elementos vestidos de peças de veludo verde, fizeram um sambinha2 convidando o carioca e o turista para um fim de semana em Mangueira. E garantem que é coisa para não esquecer jamais.

Quem quiser pode ir ao Joá, / Pão de Açúcar, ou Paquetá, / Barra da Tijuca, Vista Chinesa, ou às Paineiras, / e recordará a vida inteira / se passar um fim de semana em Mangueira. // Copacabana, Jacarepaguá, / Ilha do Governador, / Alto da Boa Vista, / Cristo Redentor. / Para completar um cartão de visita, / vá até a Estação Primeira. / Jamais esquecerá um fim de semana em Mangueira.

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Título do enredo

O título do enredo da Estação Primeira de Mangueira para o carnaval de 1963 é “Relíquias da Bahia”. Em vários jornais esse título foi informado de várias maneiras.

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Roteiro: como desfilará a Mangueira em 1963

Manuel Pereira Filho, presidente da junta governativa da Estação Primeira de Mangueira, declarou que, em contraste com os rumores circulando, a escola estava focada em conquistar a vitória no desfile da avenida Presidente Vargas. Para alcançar esse objetivo, foram investidos 23 milhões de cruzeiros, sem a contratação de artistas profissionais ou o pagamento de fantasias para os passistas.

Fantasias

Quando se trata de fantasias, a Estação Primeira de Mangueira não deixa nada a dever às outras escolas de samba. Seguindo os figurinos estabelecidos pelo enredo, suas diversas alas desfilaram com trajes vistosos e luxuosos. Um detalhe que se destacou foi a Ala Só Vai Quem Pode, sob a direção do ex-presidente Roberto Paulino, cujos membros desfilaram usando vestimentas avaliadas em 110 mil cruzeiros por pessoa. Houve também outra ala, cujas fantasias foram adornadas com pedras semipreciosas.

A escola desfilou com cerca de 1.200 participantes, um número não finalizado devido a muitas pessoas que, de última hora, solicitaram os figurinos para confeccionar suas fantasias. Dentre esse total, pelo menos 400 eram baianas, proporcionando assim uma verdadeira celebração baiana nas ruas do Rio.

Beleléu disse no Jornal do Brasil, 15/02/1963: — Para nosso desfile teremos 25 alas, bem ricas, uma comissão de frente com 10 moças vestidas em soirèe, abrindo o desfile da Bahia no Rio. Teremos uma ala especial, de capoeira, com seis pessoas, além da ala do candomblé Filhos de Gandi, com 30 elementos.

Alegorias

O primeiro carro alegórico apresentou um grande chafariz de Salvador, com uma surpresa guardada para o momento do desfile, além de uma baiana vendendo seus quindins, representando a tradicional “baiana do ganho”, com seus tabuleiros repletos de quitutes. O segundo carro exibiu dois imponentes bustos: o de Rui Barbosa, adornado com uma águia em alto relevo sobre ele, acompanhado por dois versos e com o sol nascente ao fundo, e o do poeta Castro Alves, ladeado por uma lira dourada. O terceiro carro, o mais deslumbrante, trouxe à vida as imagens da Bahia, com seis cacaueiros cortados ao meio, cada um emoldurando uma paisagem pintada a óleo. Entre elas, destacavam-se o farol de Itapoã, a matriz do Senhor do Bonfim, o elevador da Cidade Alta para a Baixa, a igreja de São Lourenço de Itaparica, o convento de São Francisco de Paraguaçu e a antiga Quinta dos Padres. Os carros, projetados e construídos pela equipe composta por José Rodrigues, Homero de Farias e Waldir Granado, receberam elogios dos jurados, alcançando uma boa pontuação.

Pormenores

A bateria foi composta por 90 ritmistas, número suficiente para manter a cadência do belo samba da ala dos compositores. Neide, a renomada porta-bandeira, deu lugar3 à novata Maria José, cujas performances nos ensaios encantava o público, ao lado do experiente Delegado. Além do segundo casal de porta-bandeira e mestre-sala, a Mangueira também apresentou um casal mirim, formado por Luiz Roberto e a jovem Márcia, carinhosamente chamada de Guezinha, uma das grandes atrações nos ensaios da verde-rosa.

Samba

O samba da “Manga” este ano repetiu os anos anteriores, isto é, teve a contagem máxima do quesito. Mesmo sem Cartola, que já não mais escrevia samba-enredo, a famosa ala dos compositores com Hélio Turco, Cícero e Pelado, compôs uma melodia tida, como fabulosa. A letra, curta e limpa, venceu, outras onze concorrentes e é a seguinte:

Formosa Bahia, / teu relicário é tão vibrante, / estado lendário, / quantas catedrais exuberantes! / Foste do Brasil / a primeira capital, / marco do progresso nacional, / importante e primordial. // Salve a velha Bahia, / tela do grande Senhor, / os fiéis em romarias / Bahia de São Salvador. // Bahia de tradição tão gloriosa, / Bahia do eminente Rui Barbosa. / Na ciência ou na arte, / tens a primazia. / Os poetas sublimam a velha Bahia, / a Bahia do acarajé, / do feitiço e do candomblé. / Teu panorama na imensidão / é uma fascinação, / formosa Bahia.

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Sérgio Cabral: e suas expectativas para o carnaval de 1963

Sobre as expectativas com o carnaval de 63, Sérgio Cabral, na Tribuna de Imprensa (22/02/1963) escreveu uma matéria de título: “Quatro grandes são as favoritas”. Nessa matéria Cabral destaca que as escolas de samba Portela, Império Serrano, Acadêmicos do Salgueiro e Estação Primeira de Mangueira continuarão a disputar as atenções do público. A expectativa era de que as quatro primeiras colocadas sejam as mesmas dos últimos anos. A previsão é de continuidade desse padrão, que persiste desde a fundação da Acadêmicos do Salgueiro em 1953. Sobre a Mangueira Cabral destaca um clima menos favorável em 63, entre seus sambistas, que perderam confiança nas comissões julgadoras. No entanto, ressalta Cabral, a escola não negligenciou seus preparativos para o carnaval, com todos se empenhando nas fantasias e na bateria, confiantes de que não serão prejudicados pelos jurados. Na opinião de Cabral, a escola mantém um bom samba-enredo e um bom enredo “Relíquias da Bahia”. A bateria da Mangueira é destacada como um ponto forte. O texto original:

As escolas de samba Portela, Império Serrano, Acadêmicos do Salgueiro e Estação Primeira de Mangueira dividirão, depois de amanhã mais uma vez, as preferências do público e as possibilidades de vencer o grande desfile, que este ano, ao que tudo indica, será realizado sem muitos dos problemas que o prejudicavam quando era feito na avenida Rio Branco. A não ser que aconteça uma surpresa muito grande, não há dúvida de que as quatro primeiras colocadas serão elas mesmas, como ocorreu nos últimos anos, salvo em 1960 — cujo resultado foi anulado — quando a Unidos da Capela conseguiu chegar em quarto lugar, deslocando o Império Serrano para o quinto. Se não acontecer a surpresa, repetimos, o mesmo que vem acontecendo desde a fundação da Acadêmicos do Salgueiro, em 1953.

ESTAÇÃO PRIMEIRA – O entusiasmo verificado no ano passado na Mangueira não se repete em 1963. Os seus sambistas passaram a não acreditar muito nas comissões julgadoras. Isso não quer dizer, porém, que a Estação Primeira se tenha descuidado do seu carnaval. Estão todos a postos, caprichando nas fantasias e acertando a bateria, certos de que não serão prejudicados pelo júri. Elementos da escola, à paisana, permanecerão o desfile inteiro em vigilância à comissão julgadora para que membros não conversem com nenhum elemento de outras escolas. O maior desfalque da Mangueira, este ano, será a porta-bandeira Neide, que será substituída por Maria José, pastora da escola. A sua responsabilidade, desfilar ao lado do mestre-sala Delegado é muito grande. O samba-enredo e o próprio enredo — Relíquias da Bahia — são bons. A escola conta, com bons artistas, de maneira que podemos esperar alegorias bem-feitas, como nos anos anteriores. Boa bateria a de Mangueira.

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Mangueira encanta com ‘Relíquias da Bahia’: um desfile memorável

Às 2 horas da manhã, com a avenida já completamente tomada pelo povo, surge imponente a Estação Primeira de Mangueira, precedida por um carro do Corpo de Bombeiros e escoltada por soldados que abrem caminho para sua passagem. Seu enredo “Relíquias da Bahia” foi magistralmente explorado, destacando-se especialmente nas alegorias, que facilmente figuraram entre as melhores do desfile. Em especial, a alegoria batizada de “A Baiana e seus quitutes” (carro 1) que cativou os espectadores com sua grandiosidade e detalhes exuberantes. A comissão de frente, composta por mulheres ricamente fantasiadas, encantou a todos com sua apresentação envolvente. Apesar de ter arrebentado a sola do sapato, Delegado, o mestre-sala, fez o povo delirar com sua elegância e desenvoltura ao desfilar. O conjunto da escola, com suas ricas fantasias, impressionou pela harmonia e beleza estética, destacando-se como um dos mais equilibrados e visualmente impactantes do desfile. Como uma escola de grande tradição, e o conhecido Jamelão, a Mangueira não decepcionou, apresentando uma melodia envolvente e uma coreografia de excelência, consolidando sua posição como uma das grandes protagonistas do carnaval. Os jornais da época assim descreveram o desfile da Mangueira em 1963:

Já com a avenida inteiramente tomada pelo povo aparece, às 2 horas, a Estação Primeira de Mangueira, precedida por um carro do Corpo de Bombeiros e por soldados que vão abrindo o caminho. Seu enredo é “Relíquias da Bahia”, colocado num bom samba que não chega, no entanto, a cair no gosto do público. Mas as pastoras de Mangueira fazem evoluções espetaculares. Delegado, o mestre-sala, (apesar de ter arrebentado a sola do sapato) faz o povo delirar. Todos sambam com entusiasmo, até Roberto Paulino e Nuno Veloso, que este ano trocaram as casacas da diretoria por fantasias para participar de uma das alas. Mangueira leva uma hora desfilando e “pintando” uma boa colocação. (Tribuna da Imprensa, 27/02/1963)

Apresentando uma comissão de frente feminina ricamente fantasiada, exibiu-se, em seguida. a E.S. “Estação Primeira”, de Mangueira. Seu enredo “Relíquias da Bahia” foi excelentemente explorado, principalmente nas alegorias, que podem ser incluídas entre as melhores do desfile, principalmente a que foi denominada “A Baiana e seus quitutes”. O conjunto, com ricas fantasias, foi dos mais harmoniosos. A velha “Manga” teve também, excelente coral feminino e ótima bateria. A ausência do obeso “Chico” não trouxe prejuízos a exibição da tradicional verde-rosa que esteve numa de suas maiores noites. Apenas não compareceu com todos os seus figurantes, tendo em vista que alguns resolveram ficar de fora do carnaval de 63. (Correio da Manhã, 28/02/1963)

Com uma bateria realmente inferior a Portela, o desfile de Mangueira agradou pelo perfeito ritmo. Escola de grande tradição, que tinha como crooner o conhecido e aplaudido Jamelão, mostrou ótima melodia e excelente coreografia. Mangueira gastou pouco mais de trinta milhões, e sua apresentação foi feita com as seguintes características: Enredo: Relíquias da Bahia — Concentração: 20:30 horas — Início do desfile: 2:45 horas — Tempo do desfile: 1:00 hora e 15 minutos — Número de participantes: 2.200 — Número de Alas 25 — Número de componentes da Bateria 90 — Porta-Estandartes: 3 — Mestres-salas: 3 — Conjunto de baianas composto de 500 figuras — Carros alegóricos 3 e um abre alas. — Comissão de frente composta de 10 moças. (O Jornal, 28/02/1963)

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A vitória de Chica

Após o desfile, praticamente todos davam como certa a vitória da Acadêmicos do Salgueiro, com o enredo: “Chica da Silva”. A Tribuna da Imprensa, em sua edição de 27/02/1963, escrevia: “Com a aprovação definitiva da av. Presidente Vargas como local de desfile, e um pouco mais de organização do que nos anos anteriores, as grandes escolas de samba desfilaram domingo, das 22 às 10 horas. Quando a Salgueiro, pouco antes das 6h, a multidão que ainda se comprimia da Candelária até a Passos ficou certa do resultado: Salgueiro em primeiro lugar, seguida, provavelmente, da Mangueira com Império Serrano em terceiro e a Portela em quarto. O quinto lugar está entre Mocidade Independente e União de Jacarepaguá.”

Essa matéria não foi bem recebida pelo presidente da Portela Nélson de Andrade, que no Jornal do Brasil (28/02/1963) “acha que sua escola também está em condições de ‘levantar’ o título, mas aceitará o resultado com um sorriso nos lábios”. Nélson prometeu anular o concurso se ficar confirmada a manchete de um jornal (imagem acima) dando como campeã a escola Acadêmicos do Salgueiro. Disse Nélson de Andrade que “ninguém pode saber o resultado antes que sejam abertos os envelopes dos jurados e por isso vou saber se o jornal que deu o Salgueiro como campeão tinha informações”.

Já na Mangueira Beleléu, pensa diferente de alguns mangueirenses, como d. Neuma, a mais conhecida do morro porque é a única a possuir telefone em casa. Ela acha que um quinto lugar ou um primeiro será recebido da mesma forma, “porque a turma ainda está com o resultado do ano passado atravessado”.

— Toda Quarta-Feira de Cinzas — disse d. Neuma — o morro amanhece em festa. A turma se reúne no Buraco Quente e bebe até hora do resultado. Hoje, o morro amanheceu calado. Ao meio-dia todos foram para o trabalho, o que não acontecia antes. Por isso, qualquer resultado é bom para nós.

Manuel Pereira Pilho, Beleléu, pensa diferente: para ele a Mangueira está entre as duas primeiras:

— Levo bastante fé. Fizemos um belo carnaval. Conseguimos fazer com que os turistas levantassem para nos aplaudir e cantassem o nosso samba. Acho que não perderemos facilmente este concurso.

A classificação oficial das escolas em 63 foi: 1° Acadêmicos do Salgueiro, 93 – 2° Estação Primeira de Mangueira, 85 – 3° Império Serrano, 80 – 4° Portela, 80 – 5° União de Jacarepaguá, 60 – 6° Mocidade Independente de Padre Miguel, 55 – 7° Unidos do Cabuçu, 53 – 8° Aprendizes de Lucas, 52 – 9° Unidos de Bangu, 44 – 10° Beija-Flor, 39.

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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo. “Relíquias da Bahia, carnaval 1963”. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://memoriaverderosa.com.br/carnaval-1963/. Acesso em: 22/06/2025.

Referências que fundamentam este capítulo:

  1. O problema a que Roberto Paulino se refere, ocorrido com Beleléu, foi descrito na edição de 26/11/1963 da Última Hora: Beleléu continua na direção de Mangueira – BELELÉU, o presidente da escola de samba de Mangueira, em face das acusações que lhe fizeram algumas moradoras do morro, de as ter possuído à força, pediu demissão da diretoria, o que não foi aceito, desde que seus companheiros consideraram as acusações improcedentes. Sexta-feira, às 16 horas, a pedido do advogado, Beleléu vai ser acareado com as três mulheres que alegaram, no 25. ° DP, terem sido violentadas por ele. ↩︎
  2. “Fim de semana em Mangueira”, samba de Preto Rico; ↩︎
  3. Segundo a edição de 24/02/1968 do Jornal do Brasil: “Embora o amor à Mangueira seja enorme, Neide deixou de sair duas vezes porque não quiseram pagar sua fantasia.” ↩︎

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