
Percival Pires, mais conhecido como Perci, tornou-se uma figura central nos ensaios da Estação Primeira de Mangueira, reconhecido por sua voz calorosa e acolhedora. Como principal relações públicas da escola, Perci desempenhou um papel vital na recepção da comunidade e de visitantes ilustres, celebrando a tradição da verde rosa e participando ativamente de suas atividades desde a década de 1960. Ele ocupou a presidência da Mangueira em duas ocasiões: de 1980 a 1983 e de 2006 a 2007, sempre com um olhar atento à preservação e evolução da escola. Durante os anos 1960, a realidade das escolas de samba era muito diferente do que se viu nas décadas seguintes. Jovem, com apenas 19 anos, Perci começou a frequentar os ensaios no Morro do Telégrafo, um local popularmente conhecido como “Pindura Saia”. Ele e seus amigos do Vitória Futebol Clube frequentemente desciam do “Pindura” até a quadra do Cerâmica, clube de futebol vinculado à Companhia Cerâmica Brasileira, para desfrutar do samba. Esse período, que antecedeu a inauguração do Palácio do Samba nos anos 1970, foi marcado por esforços incansáveis para garantir um espaço adequado aos ensaios. A história de Perci na Mangueira começou muito antes de seu protagonismo. Aos 14 anos, ele deixou sua terra natal, Taubaté, em São Paulo, e mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Quando seus pais decidiram retornar a Taubaté, Perci optou por permanecer na cidade e no Morro do Telégrafo, construindo um vínculo profundo com a Mangueira. “Levado pela mão de d. Neuma e seu Tinguinha, comecei a frequentar as reuniões da escola no Buraco Quente”, relembra. Foi nessa casa que ele se aproximou de grandes nomes da escola, como Zé Ramos, Juvenal Lopes, Raimundo de Castro e o próprio Roberto Paulino, criando laços que moldariam sua trajetória. Em 1963, Perci desfilou como componente de ala pela única vez. No ano seguinte, sob a orientação de seu Tinguinha, foi incumbido de criar uma nova ala com um figurino específico, dando origem à Ala dos Importantes da Mangueira, inspirada em uma homônima do Salgueiro. Essa experiência marcou o início de uma sequência de contribuições para a escola, incluindo a fundação de diversas alas até chegar à sua última criação, a Ala “Realidade”. Sua dedicação e capacidade de liderança o levaram a assumir o cargo de relações públicas, por 12 anos, a convite de Ubirajara Máximo do Rosário (Bira), antes de se tornar presidente. A primeira gestão de Perci, entre 1980 e 1983, foi marcada por desafios financeiros que exigiam criatividade e trabalho em equipe. Naquela época, a Mangueira não contava com um patrono e os carros alegóricos eram construídos debaixo do viaduto, como relembra Alcione Barreto, um dos baluartes da escola. Chininha, vice-presidente e filha de d. Neuma, também relembra as dificuldades: “Em um ano, a Vila Isabel trouxe alguns carros enormes para serem exibidos bem aqui na Rua Visconde de Niterói, diante de nossos olhos. Nossos carros eram fabricados aqui, pelo Melão e pelo Sinhozinho. A questão do dinheiro era realmente complicada”. Mesmo assim, Perci deu início a um trabalho de recuperação que culminou no supercampeonato de 1984, com “Yes, nós temos Braguinha”, marcando a inauguração da Passarela do Samba. Segundo Álvaro Luiz Caetano, o Alvinho, “os alicerces foram feitos por ele e os frutos colhidos em seguida”. Outro marco de sua primeira gestão foi a contratação de Fernando Pinto1, o primeiro carnavalesco de fora da comunidade, em 1982. A chegada de Pinto aconteceu após um inusitado convite de Dominguinhos do Estácio, que intermediou um encontro na casa de Ruth de Almeida Prado, dama da sociedade carioca. O grupo, disposto a patrocinar o carnaval da Mangueira, propôs um enredo inspirado nas “Mil e uma noites cariocas”, liderado por Fernando Pinto. Perci aceitou de imediato, inaugurando uma nova fase para a escola. Alcione relembra que, até então, o patrocínio era uma realidade distante: “Fizemos ‘De Nonô a JK’ e a única coisa que ganhamos foi a impressão de nossa revista pelo Adolpho Bloch, que era fã do presidente”. Já em seu segundo mandato, iniciado em 2006, Perci enfrentou um período conturbado, que culminou com sua renúncia em 2007, após acusações de envolvimento com Fernandinho Beira-Mar. O episódio foi amplamente noticiado, incluindo uma matéria do Jornal do Brasil, intitulada “BEIRA-MAR DERRUBA PRESIDENTE”. O vídeo que mostrava Perci homenageando o traficante levou à sua decisão irrevogável de deixar o cargo. Em seu lugar, assumiu Chininha, que já ocupava a vice-presidência havia seis anos. Percival Pires faleceu em 3 de agosto de 2023, aos 82 anos, em sua residência. Embora a causa da morte não tenha sido divulgada, sua partida foi marcada por homenagens e lembranças emocionadas. Seu corpo foi enterrado em Taubaté, cidade onde tudo começou.
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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo. “PERCI: LOCUTOR DOZE ANOS E PRESIDENTE DOIS MANDATOS”. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://memoriaverderosa.com.br/perci/>. Acesso em: 19/02/2025.
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- Carlos Fernando Ferreira Pinto (Recife, 6 de maio de 1945 — Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1987) foi um carnavalesco, artista visual, diretor de teatro e cantor brasileiro cuja obra deixou uma marca significativa na história do carnaval carioca. Reconhecido por sua passagem em agremiações como o Império Serrano e a Mocidade Independente de Padre Miguel, destacou-se pela criatividade inovadora e pelo estilo audacioso que desafiava convenções. Sua carreira teve início em 1971, no Império Serrano, onde apresentou o enredo “Nordeste, seu povo, seu canto, sua gente”, conquistando o terceiro lugar. No ano seguinte, consolidou seu talento ao levar a escola ao título com “Alô, alô, taí Carmen Miranda”. Após anos de altos e baixos, incluindo o sétimo lugar com “A lenda das sereias, rainhas do mar” em 1976 e o rebaixamento histórico com “Oscarito, carnaval e samba, uma chanchada no asfalto” em 1978, Fernando Pinto transferiu seu talento para a Mocidade Independente de Padre Miguel, onde viveu seu auge criativo nos anos 1980. Durante sua passagem pela Estação Primeira de Mangueira, em 1982, Fernando trouxe sua visão singular para os desfiles da escola, ainda que por um curto período. Em seguida, retornou à Mocidade e alcançou mais um grande triunfo ao conquistar o título de 1985, reafirmando seu talento. Seu enredo “Tropicália maravilha”, em 1980, já havia sido um marco ao combinar elementos tropicalistas em uma explosão de cores e formas, assegurando o vice-campeonato para a escola naquele ano. Apesar de sua carreira ter sido tragicamente interrompida por um acidente de carro, Fernando Pinto é lembrado como um símbolo de inovação no carnaval carioca. Suas criações continuam a inspirar novas gerações de carnavalescos, que buscam no samba uma forma de expressão artística sem limites. ↩︎