Rei vadio

Poucos nomes na música brasileira conseguem sintetizar, de maneira tão visceral, o espírito boêmio, a religiosidade peculiar e a genialidade artística como Nélson Cavaquinho. Suas composições, que transitaram entre os becos estreitos da Praça Tiradentes e as alturas simbólicas do Morro da Mangueira, carregam a marca indelével de uma vida vivida à margem, onde o samba era mais que música: era a tradução da luta, do sofrimento e da beleza do cotidiano.

Mas quem foi Nélson Cavaquinho além do compositor imortalizado em clássicos como “Folhas secas” e “A flor e o espinho”? Como um menino pobre, criado em um Rio de Janeiro em transformação, moldou-se para se tornar um dos maiores sambistas do Brasil, apesar das adversidades sociais, emocionais e econômicas?

Sua história começa em 29 de outubro de 1911 — ou erroneamente em 1910, como sugerem alguns registros conflitantes. Nascido em uma época em que o Rio de Janeiro ainda vivia sob os impactos da transição para a República, Nélson teve uma infância marcada pela instabilidade. Entre mudanças constantes de endereço e o peso da pobreza, sua formação inicial foi forjada em bairros tão distintos quanto a Lapa, com sua efervescência boêmia, Ricardo de Albuquerque, com seu cotidiano operário, e a Gávea, inspiração para os primeiros acordes.

A religiosidade herdada de sua mãe, Maria Paula, lavadeira no convento das Irmãs Carmelitas, seria uma influência constante, ainda que Nélson nunca tenha sido assíduo frequentador de igrejas. Era um homem que vivia sua espiritualidade no perdão, na generosidade e na aceitação de sua própria imperfeição.

Além da religiosidade, outro elemento que marcou sua vida desde cedo foi a música. Nascido em uma família com laços musicais, encontrou no cavaquinho, presente de um jardineiro português, seu primeiro companheiro de expressão artística. Mais tarde, seria o Morro da Mangueira que consolidaria sua relação com o samba e com figuras icônicas como Cartola e Carlos Cachaça.

No entanto, sua trajetória nunca foi linear. De policial militar a boêmio inveterado, de compositor reverenciado a homem que trocava músicas por copos de cachaça, Nélson Cavaquinho construiu uma história que ultrapassa a melodia e se torna um retrato de resistência cultural e humana.

Que verdades e contradições podemos descobrir ao adentrar o universo de um homem que transformou a dor, o amor e a morte em poesia? É o que procuraremos desvendar nas próximas páginas. Boa leitura.

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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo. “REI VADIO”. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://memoriaverderosa.com.br/nelson-cavaquinho/>. Acesso em: 21/02/2025.

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