
Tem gente que parece carregada por um sopro de força antiga, como se os pés fossem feitos pra estrada e o corpo, pra embate. Uns chamam de destino, outros de vocação. Mas há quem diga que é sina mesmo — dessas que a pessoa não escolhe, mas veste feito segunda pele. E quando o mundo exige resposta, o sujeito não se esconde: bate no peito, mira firme e vai. Foi assim que ele viveu. Entre brigas e sambas, ternuras e cachaças, com o peito sempre pronto — pra amar ou pra encarar. A rua foi sua primeira escola. Aprendeu cedo a olhar no olho, a não baixar a cabeça e a reconhecer o valor de uma boa rasteira. Tinha um gosto pela encrenca que beirava o poético. Desafiava quem quisesse, com as palavras ou com as pernas. E, quando a conversa virava briga, era no braço, na faca ou na valentia. Sem atalho, sem covardia. Um desses sujeitos que sabiam se impor com um gesto, sem precisar falar demais. Onde pisava, deixava rastro — não de medo, mas de presença. No subúrbio quente, onde a terra vermelha se mistura ao suor da lida, a vida ensinava na marra. E ele aprendeu. Foi jagunço em fazenda de coronel, defensor de gente grande, aprendiz atento dos jogos de poder. Depois virou carroceiro — e a cidade, que ainda caminhava devagar, se deixava guiar por sua mão firme e seu olhar desconfiado. Mas a alma… ah, a alma era de moleque solto. Daqueles que não se prendem a um ofício só. Gostava da rua, da roda, da risada alta, do flerte jogado na esquina. E se apaixonava sem pedir licença — por mulheres, por festas, por ideias. A favela foi seu território de reinvenção. Lá, trocou o jagunço pelo sambista. Trocou a carroça pelos batuques. E foi fundando espaço: bloco, escola, identidade. Não se contentava em seguir — queria abrir caminho. Reinventou dança, criou figura, botou ordem no caos sem apagar a irreverência. Quando precisavam de firmeza, ele assumia. Quando o samba chamava, ele dançava. E quando a escola balançava, ele firmava o corpo e segurava a onda. Era conselheiro, mas sem gravata. Presidente, mas sem pose. Beberrão, mas com palavra de líder. O tipo que abria o peito pra vida com tudo o que ela oferecia — e cobrava. Na roda de pernada, ninguém o derrubava. No miolo do bloco, era rei. Na quadra, mandava sem levantar a voz. No meio do povo, era só mais um — mas um que todos olhavam com respeito. Não por medo, mas por memória. Porque sua história se confundia com a da própria escola. Misturava coragem e contradição, doçura e desatino. Gente assim não se explica. Se sente. Se conta. Se dança. Este capítulo é sobre ele — Massu, o homem que foi tudo isso e ainda por cima, o primeiro mestre-sala do samba.
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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo Fonseca de. “O PRIMEIRO MESTRE-SALA”. In: MEMÓRIA Verde-Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://memoriaverderosa.com.br/massu/>. Acesso em: 08/07/2025.
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