O enredo “História de um preto velho” nos transporta para 1740, quando um negro, filho de um renomado chefe de tribo nagô, desembarca no Brasil. O objetivo da Estação Primeira ao escolher esse enredo foi claro: reconquistar a supremacia do samba através de uma narrativa rica em significados e emoções.
Após o desembarque, esse personagem viveu 80 anos de uma vida intensa, marcada por desafios e superações. Alforriado junto com sua família, deixou para trás a Bahia, seu ponto de chegada da África, e partiu em direção ao Rio de Janeiro, onde novos capítulos de sua história seriam escritos.
Anos mais tarde, um encontro inesperado mudaria o rumo de sua trajetória. Ele se deparou com o filho de seu ex-senhor, agora encarregado de uma importante missão a serviço do rei. Essa conexão inusitada o levou ao palácio da corte, onde foi designado como chefe dos escravos, uma posição de destaque que o permitiu testemunhar eventos históricos marcantes.
O carnaval de 1964 ficou marcado não apenas pelos brilhos e cores das escolas de samba, mas também pela polêmica que envolveu a decisão da comissão julgadora, que concedeu o título à Portela. O descontentamento era geral e pertinente entre os foliões e os próprios membros das agremiações.
Ocorreu uma percepção generalizada de que algo não estava certo nos bastidores do julgamento. Surgiram informações preocupantes, como a suposta quebra do sigilo do voto, quando o ator José Lewgoy revelou sua escolha ao jornalista Fábio Melo. Além disso, houve relatos de trocas injustificadas nos membros do júri, o que alimentou ainda mais as suspeitas de manipulação do resultado.
Curiosamente, toda a crítica, o público e até mesmo a própria Mangueira apontavam o Império Serrano como o legítimo vencedor. Essa escola, com sua apresentação vibrante e apaixonada, conquistou os corações dos foliões e dos especialistas. A Mangueira obteve o terceiro lugar com 49 pontos.

Sem balé e violinos
Expressão muito usada em 1964 pelos mangueirenses — mas que não teve, conforme explicaram, intenção de criar animosidades ou ofender qualquer coirmã —, a Estação Primeira de Mangueira desfilará este ano com quase três mil bambas do samba. (“O Globo” 14/01/1964)
Samba: batidas contagiantes e movimentos cheios de história
O samba é um estilo musical e uma forma de dança profundamente enraizada na cultura brasileira. Isso se deve em grande parte à sua origem nas comunidades negras e pobres, onde recursos limitados e a influência das tradições africanas moldaram sua forma única de expressão. Ao contrário de outros estilos de dança, como o balé, o samba é marcado por batidas contagiantes, acompanhadas por instrumentos de percussão, como o tamborim, o pandeiro e o surdo. Esses instrumentos são essenciais para criar os padrões rítmicos característicos do samba. Além disso, as danças de samba são conhecidas por seus movimentos cheios de graça e sensualidade, que refletem a história e a cultura do povo negro. Em vez de coreografias complexas inspiradas no balé, o samba valoriza a improvisação, a espontaneidade e a conexão com a música e os companheiros de dança. Portanto, a ausência de violinos entre seus instrumentos e balé nas danças de samba não é uma falha, mas sim uma característica que ressalta sua autenticidade cultural.
A controversa inovação
Contrariando essa visão “pura” de samba, vale ressaltar que em 1963, o Salgueiro conquistou um título marcante com seu desfile que trouxe “Xica da Silva” para a avenida, apresentando a Ala O Minueto1. Destaque-se que Mercedes Baptista2, desempenhou um papel crucial nessa apresentação. Tal feito inspirou a escola da Tijuca a seguir o mesmo caminho no desfile de 1964, incluindo “bailarinos” em sua apresentação. A Portela, buscando se destacar e impressionar o público, se inspirando na “inovação” do Salgueiro no ano anterior, resolveu incluir “violinos” em seu desfile “O segundo casamento de d. Pedro I”, buscando trazer um toque de requinte e elegância à sua apresentação. Essa decisão pode ser conferida na edição de 02/12/1963 do jornal “Última Hora”:
Trinta violinistas da Orquestra Sinfônica Brasileira comporão o quadro o “Baile Imperial”, no esquema do enredo “O II Casamento de d. Pedro I”. A direção da escola, que vinha relutando em lançar mão de tal recurso, por considerá-lo fora da concepção exigida para organizações de samba, decidiu-se pela contratação dos violinos, não só pela beleza e efeito que darão ao seu enredo, mas também em virtude de ter sido derrotada na proposição que proibia a apresentação de recursos extra terreiro, como foi a exibição de balé, no enredo da Acadêmicos do Salgueiro.
A revolta dos “puristas” do samba
Essas “inovações” despertaram muita contrariedade entre os mais “puristas” do samba, como por exemplo, o jornalista Salviano Cavalcanti de Paiva, que na coluna “Bom dia, Rio” do jornal “Correio da Manhã” de 23/02/1965 escreveu:
Ninguém exige escola de samba exclusivamente negra ou exclusivamente com gente de morro, só os imbecis; mas, também, só imbecis e espertalhões, corruptos e degenerados admitem, aceitam e apoiam a deturpação completa, acabada, dos desfiles de escolas de samba na base do show ensaiado, coreografado, em violinos, passos de balé e fantasias “histórico-exóticas”, enredos complicados, letras sofisticadas, ritmos diversos do samba, que é, foi e será sempre binário, desde Donga e Caninha até Zé Kéti e Nara Leão. Mas o negócio é que o carnaval das escolas de samba começou a perder a autenticidade há uns dez ou doze anos, e chegou, agora, à desfaçatez de revelar, nos próprios sambistas de escola, sua quinta-coluna. Pois quem promove a alienação, quem convida grã-fino e artista de televisão a participar e anarquizar com os desfiles são os diretores das escolas. Malandros, corruptos e subversivos. Estão precisando de um corretivo. E o terão, quando a gente simples que sempre fez a glória do samba tomar consciência e expulsar os vendilhões do templo.
Juvenal Lopes, figura emblemática da Estação Primeira de Mangueira, também se posiciona como defensor dos valores autênticos do samba, combatendo tendências que, em sua visão, ameaçavam a essência dessa expressão cultural tão querida.
Em um gesto contundente, Juvenal, na qualidade de fundador, representante e presidente do Conselho Deliberativo da Mangueira (1964), anuncia sua intenção de revisar os estatutos que regulamentam as escolas de samba. Seu objetivo: impedir que os “sambeiros” da época, obcecados pela conquista do título a qualquer custo, continuassem a “anarquizar” o samba. Na edição do “Jornal dos Sports” de 27/01/1964, ele diz que se caso isto não seja possível: “Irei até ao Governador Lacerda3 fazer minha queixa, porque sou do tempo em que sambista era sinônimo de vagabundo. Lutei e apanhei muito da polícia para colocá-lo no seu digno pedestal e estes “sambeiros” não têm a menor consideração com o trabalho de verdadeiros mártires do samba.”
Para Juvenal, a introdução de instrumentos como violinos nas baterias e a presença de balés entre passistas representavam um desvio dos princípios basilares do samba. Ele defendia a preservação da simplicidade e da espontaneidade que caracterizavam essa manifestação cultural, combatendo o que considerava ser um excesso de “modernismos” que deturpavam a verdadeira alma do samba.
Natal disse que sua Portela terá violino de qualquer maneira
Esse foi o título do artigo publicado pelo “Jornal dos Sports” em 25/01/1964. Nele, o sambista Natal, presidente de honra da Portela, expressou surpresa com a reação negativa em relação à decisão de desfilar com violinos. Ele afirmou que, apesar disso, a escola seguirá em frente com esse instrumento de corda. Mesmo diante das críticas e desafios enfrentados: “Não sei por que estão tão preocupados com os violinos da Portela — explicou Natal —. Afinal, a escola de samba é dos seus associados e independente de palpites ou sugestões do Departamento de Turismo, da Associação de Escolas de Samba ou outra qualquer entidade.”
Para minha surpresa, em outro artigo também no “Jornal dos Sports”, quatro dias após o artigo acima, isto é, dia 29/01/1964, Natal diz ser contra balés nas escolas, afirmando que estas inovações das grandes agremiações certamente acabaram matando o genuíno samba, mas esclareceu que isto deve influenciar muito os juízes, tanto que o Salgueiro foi o campeão do ano passado.
— Faço mesmo um apelo — continuou Natal — à própria imprensa e ao Departamento de Turismo, para que façam campanha contra determinadas inovações anti-samba nas escolas. O balé, principalmente será a desgraça do samba. O principal objetivo do nosso carnaval é mostrar o ritmo diferente do samba. Balé, os turistas europeus já estão saturados de ver e até já não lhe dão o mesmo valor devido a evolução de outras danças. Além disso, o balé que para nós pode parecer perfeito, para eles será sempre ridícula cópia. Já soube mesmo que o Salgueiro desfilará com 380 profissionais de balé.
Engraçado… Balé é uma inovação anti-samba, já violino na bateria não. Enfim.
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Enredo
A escola de samba Estação Primeira de Mangueira, a velha “manga”, escolheu enredo para o “super” desfile da avenida Presidente Vargas, carnaval de 1964. A verde-rosa veio com um belo enredo, que descrevo abaixo:
HISTÓRIA DE UM PRETO VELHO
Eu sou africano, nasci na longínqua nação nagô. Vim para o Brasil ainda pequeno, junto a meus pais, num horrível “navio negreiro” — atirado no seu imundo porão, numa mistura de homens, mulheres e crianças.
Ao término da viagem, nossos sofrimentos não findaram: — “enjaulados num galpão”, expostos, aguardamos ricos senhores que vinham nos comprar. Meu pai era negro importante na África. Através de seu poder e posição de destaque que ocupava na “tribo” era acatado e respeitado por nossos irmãos. “Homem forte” e alto, fazia mesmo uma imponente figura. Minha mãe era “muito bonita”, de feições finas e maneiras delicadas. provavelmente por isso, fomos logo comprados, e então nossa vida começou a melhorar.
Eu quase não fazia nada, apenas brincava com os filhos do meu Senhor. Minha mãe talvez pela sua boa apresentação, foi para a “Casa Grande” ser ama da senhora. Meu pai fazia diversos serviços na casa. Quando a senhora saía, era ele quem “carregava a cadeirinha de arruar“. Levávamos uma vida agradável. Indo sempre a cidade, vi as “negras de ganho” apregoarem as suas mercadorias; homens em serviços mais pesados, carregavam água e vendiam frutas aos ricos. Meu pai passou logo a servir dentro da casa. Nos dias de festas usava ricas librés4, ficando realmente uma bela figura. A noite reuníamo-nos na senzala para fazer nossas danças e cânticos ao som dos tambores que nos levavam a nossa África distante. Em nossas festas religiosas, quando íamos ao candomblé, meu pai pela posição que ocupava, tinha lugar de destaque. Com isso naturalmente, eu ficava muito orgulhoso.
Fui crescendo e trabalhando no campo, perto da casa e por fim na própria casa. Tornando-me homem, forte e ágil, consegui sucesso no jogo da capoeira. Os senhores eram muito bons, e no fim de algum tempo deixaram que meu pai trabalhasse quase que por sua conta. Vendendo na cidade o que colhíamos na fazenda, com alguma economia, compramos nossa alforria e, então, viemos tentar a vida no Rio de Janeiro.
Chegamos aqui em pleno vice-reinado, e aqui nos dedicamos a atividades diversas. Minha mãe vendia doces na cidade. Meu pai logo da nossa chegada faleceu. Tornei-me a pessoa mais importante da família, embora já houvesse elegido a “dona” do meu coração. Casei-me com uma linda negra de “raça pura” que, agora, já velinha acompanha-me nessa luta pela vida. A maior notícia foi a chegada de d. João VI com toda a corte. A cidade “engalanou-se” para recebê-lo, daí pra cá, o Brasil passou a progredir. Veio a Abertura dos Portos — Escola Militar — Escola de Belas Artes. Criamos personalidade própria e tivemos constantes e esplendorosas festas na corte. Meu Senhor, da Bahia veio para o Rio de Janeiro fazer parte da corte. Procurando-me, encontrou-me e me levou para o palácio Real de São Cristóvão. Pela amizade que me nutria conseguiu colocar-me como chefe dos criados. Todos os negros fortes e grandes, que se trajavam com apuro, foram escalados por mim para servirem o príncipe espanhol, d. Pedro, e toda família real. Da. Maria Teresa princesa mais velha, bonita e formosa, era a predileta do pai, apesar das turras com d. Pedro que foi o herdeiro do trono.
D. Carlota era presunçosa, e tinha delírio de mando. D. Maria Teresa casou-se com o príncipe espanhol d. Pedro Carlos. O evento foi comemorado por todos numa prolongada festa. Cansado já velho, com meus filhos, voltei a senzala para poder, assim, contar a vocês a minha história. (“A Luta Democrática”, 09/01/1964)
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Disputa de samba no carnaval de 1964 da Mangueira
História de um preto velho: os bastidores da disputa
Na rica história da Estação Primeira de Mangueira, o Carnaval de 1964 foi marcado por uma acirrada disputa de samba. Sob o enredo “História de um preto velho”, a escolha do hino que ecoaria pelas ruas do Rio de Janeiro foi crucial. Neste cenário fervilhante, três sambas despontaram, cada um com sua narrativa e melodia, prontos para conquistar o coração dos sambistas e dos foliões.
Os protagonistas: Hélio Turco, Pelado e Comprido
O samba dos renomados compositores Hélio Turco, Pelado e Comprido conquistou o palco principal. Sua letra envolvente e melodia contagiante se destacaram, cativando os mangueirenses. Embora não tenha seguido o enredo tão fielmente quanto outros concorrentes, sua qualidade lírica e musical o tornaram o favorito dos corações verde-rosa.
Os desafiantes: Jurandir e Preto Rico com João Batista
Dois outros sambas, um de autoria de Jurandir e outro de Preto Rico e João Batista, entraram na competição. O de Jurandir, embora fiel ao enredo, pecou pelo excesso de detalhes, tornando-se longo demais para o ritmo vibrante da Mangueira. Enquanto isso, o samba de Preto Rico e João Batista, embora bem elaborado, não conseguiu capturar a essência original e vibrante da escola.
A essência da Mangueira
O coração da Mangueira bate em ritmo ligeiro e nervoso, exigindo letras e melodias que ecoem sua energia contagiante. Foi essa essência que tornou o samba de Hélio, Pelado e Comprido o mais cantado e aclamado pelos sambistas. No final, foi a melodia cativante e a letra envolvente que decidiram o destino do carnaval de 1964 da Mangueira. Num universo onde a originalidade e a paixão pelo samba reinam supremas, o hino vencedor foi aquele que melhor capturou o espírito único e vibrante da verde e rosa.
LETRA: Era uma vez um preto velho / que foi escravo, / retornando à senzala / para historiar o seu passado. / Chegando à velha Bahia / já no cativeiro, existia /preto velho que foi vendido / menino a um senhor / que amenizou a sua grande dor. // Quando no céu a lua prateava, / que fascinação, / preto velho na senzala / entoava uma canção. // Ô… ô… ô… / Conseguiu tornar realidade / o seu ideal, a liberdade, / vindo para o Rio de Janeiro, / onde o progresso despontava. / Altaneiro, / foi personagem ocular / da fidalguia singular, / terminando a história / cansado da memória, / preto velho adormeceu. // Mas o lamento de outrora / que vamos cantar agora / jamais se esqueceu. / Ô… ô… ô…
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Mangueira 64: desfile sem balé e violinos
No lugar do refinamento do balé ou da melodia dos violinos, a Mangueira 64 buscava uma grandiosa apresentação, contando com três mil figurantes distribuídos em quarenta alas. Após um investimento vultuoso, a escola se preparou para brilhar na avenida, ostentando toda sua pompa e circunstância ao apresentar uma montagem exuberante do enredo escolhido: “História de um preto velho”. Sob a liderança de seu presidente, Roberto Paulino, carinhosamente chamado de “Robertinho”, a “velha Manga” exibiu uma série de atrações meticulosamente elaboradas, todas alinhadas com as demandas do tema selecionado.
Mangueira se preparou para o desfile com luxo e tradição
Destaques da escola:
- Abre-Alas: Orçado em 5 milhões de cruzeiros, o abre-alas da Mangueira foi um segredo guardado a sete chaves e só revelado no desfile. A promessa foi cumprida. Uma alegoria grandiosa e digna da escola verde-rosa.
- Bandeira: A tradicional bandeira verde-rosa da Mangueira, confeccionada em seda pura importada, foi bordada em canutilho de metal dourado e leva aplicações de pedrarias. Sua franja, única no gênero, é de Dior.
- Preto Velho: O veterano “Prego”, um dos mais destacados sambistas da Mangueira, teve a honra de encarnar o “preto velho”, figura central do enredo da escola em 1984.
- Mestre-sala Delegado: O mestre-sala titular da Mangueira, Delegado, usou uma fantasia luxuosa com cabeleira importada da boutique Jean Pateux de Paris, tecido à razão de 25.000 cruzeiros o metrô, e outros apetrechos também importados. O “cobrão”, como é conhecido, já gastou quase 1 milhão de cruzeiros com a fantasia, demonstrando sua paixão pela escola.
- Chico-Enfermeiro: O vice-rei da Mangueira, “Chico-Enfermeiro”, está tão empolgado com o desfile que, se for preciso, venderá até um imóvel que possui no subúrbio do Méier para custear sua fantasia.
- Noca: A fantasia mais cara da Mangueira em 1984 será a de Noca, destaque da escola. A fantasia “Escola de Belas Artes”, idealizada pelo figurinista Fernando Ribeiro e orçada em 5 milhões de cruzeiros, será tão bela que a escola pretende levá-la à passarela do Teatro Municipal e de outros bailes da cidade.

Atrações especiais:
A Mangueira contou com a participação especial do bloco Filhos de Gandhi5, um dos mais tradicionais blocos afros da Bahia. O grupo, conhecido por sua indumentária e cânticos únicos, acrescentou ainda mais energia e alegria ao desfile da verde-rosa. Além dos destaques já mencionados, a Mangueira ainda contou com a presença de diversas outras atrações em seu desfile, como Jupira e suas cabrochas, o cantor Jamelão, o craque Jordan do Flamengo, a passista Nininha Chochoba, o bailarino Jonas, Gigi da Mangueira, Carlinhos do Pandeiro, os compositores Cartola, Padeirinho, Mestre Gato e Jorge Pelado, entre outros. A nova geração da escola também esteve presente, com destaque para a graciosa Guezinha, porta-bandeira mirim, filha de Neuma e neta do saudoso Saturnino, fundador da Mangueira.
Chamei atenção dos leitores para os pontos altos do desfile de Mangueira. Agora que já estamos “entendidos” vamos falar em termos “técnicos”.
Parece que a Estação Primeira de Mangueira está sempre surpreendendo, não é mesmo? A comissão de frente é sempre um momento de destaque no desfile, e lançar moças em trajes “soirée”6 foi uma jogada e tanto! Essa inovação certamente cativou os espectadores e os jurados, garantindo muitos pontos para a escola.
Essa ala de destaques da Mangueira está repleta de talentos! Gigi de Mangueira é uma verdadeira lenda, sempre brilhando na avenida com sua presença marcante. E ter os passistas Carlinhos e Dimas, na mesma ala é simplesmente sensacional, são verdadeiros mestres da dança!
A bateria é o coração da escola, e com o mestre Tinguinha no comando do tarol, não há como não se impressionar. Ele realmente fez mágica com aquele instrumento! E não posso deixar de mencionar Baiano e seu surdo gigante. Executar malabarismos com um instrumento tão grande e pesado é realmente incrível. É o tipo de habilidade que só os verdadeiros artistas do carnaval conseguem dominar, e Baiano é definitivamente um deles.
Verso a verso
“História de um preto velho” é um samba de linda melodia que conta o enredo da Estação Primeira este ano. Composto por três dos nomes mais famosos da escola, o samba é, talvez, o mais bonito do carnaval deste ano na avenida Presidente Vargas, onde será “puxado”, como sempre, pelo velho Jamelão. Nos ensaios da escola, Pelado, Hélio Turco e Comprido o defenderam com ardor, cantando à noite toda para ganhar a preferência das pastoras. O enredo conta, na voz do preto velho o seguinte: (IVAN, Mauro. “Jornal do Brasil”, 07/02/1964)
Dentro do primeiro verso do samba — “Era uma vez um preto velho que foi escravo” — teremos o seguinte: Comissão de Frente, pela primeira vez dentro do enredo, pois será formada por crianças que representarão os ouvintes da história: logo atrás um preto velho representado por “Prego”. Seguem-se painéis enormes representando o mercado de escravos e pintados pelos artistas consagrados Amílcar de Castro7 e Hélio Oiticica8, dentro do verso: “Retornando à senzala, passa a historiar o seu passado”.

O verso seguinte — “Chegando à velha Bahia já o cativeiro existia” — será representado assim: Primeiro carro alegórico com painéis representando os negros em cativeiro acompanhado pelas Alas dos Nobres, Ala dos Duques e Ala dos Barões nos papéis de senhores de engenho, fazendeiros e feitores, sendo cada ala composta de 30 homens e 17 mulheres.
“Preto velho foi vendido menino, a um senhor que amenizou sua grande dor” é o verso seguinte, representado pelo passista Zé Roberto, — considerado o futuro substituto do famoso Delegado —, como o preto velho ainda rapazinho.
“Quando no céu a lua prateava, que fascinação, preto velho na senzala entoava uma canção” são os versos que vem depois, representados desta maneira: Miro, Menininho e Senhor é o trio de passistas que lidera esta parte, seguidos das Alas das Jambetes (23 figuras), Ala Pobres de Paris (23 figuras) e Ala Aliados, todos fantasiados de escravos. O passista Carlinhos representa a seguir o preto velho quando comprou a sua alforria, seguido da Ala dos Turistas — cujo presidente é o jogador de Jordan do Flamengo — com um total de 26 pessoas.
“Vindo para o Rio de Janeiro, onde o progresso despertava altaneiro”, seguem-se ilustrados por Jupira e suas 12 cabrochas, representando os jardins imperiais. Também Noca, uma das maiores destaques da escola, no papel de “Escola de Belas-Artes”, além de Nininha Chochoba como vendedora de quitanda e Rose, como fidalga portuguesa. Ala Mocidade Rica — 52 homens e 14 mulheres: Ala dos Boêmios — 52 homens e 14 mulheres.
O verso seguinte: “Foi testemunha ocular de fidalga singular” é representado desta maneira: Ala dos Lordes — a mais rica da escola, com oito homens e duas mulheres; Ala Só Vai Quem Pode — com 28 homens; Ala das Caprichosas — com 13 mulheres. Todos representando fidalgos e damas da corte, abrindo o séquito do vice-rei — Francisco Enfermeiro — acompanhado das irmãs Djandira, Devalcira e Djanira, representando as princesinhas. Segundo carro alegórico que será uma liteira carregada por dois escravos, tendo dentro Rosemi, seguida das pastoras Maria do Bráulio e Zinha, como damas de honra.
“Terminando a história, cansado da memória, preto velho adormeceu”, dizem os versos seguintes, passando o enredo a descrever seus sonhos, como o afoxé e a procissão da macumba. Ilustrando esta parte virão 32 mulheres e 16 homens, da Ala dos Filhos de Gandhi, seguidos de um dos destaques da escola e um conjunto de 12 capoeiristas alunos do famoso mestre Pastinha9, da Bahia.
A seguir o terceiro carro alegórico, representando um altar, com duas esculturas de Fernando Jacques — uma foi para a Bienal de Veneza e outra para a Bienal do Paris — representando o preto velho e sua companheira, sendo tudo completado por uma outra forma moderna de Amílcar de Castro — simbolizando a liberdade do escravo.
Virão depois os passistas Humberto, Zé Peladinho e a famosa pastora Gigi da Mangueira. Acompanhando estes passistas virá a Ala dos Diferentes, 46 violões, 2 violas e 1 cavaquinho, devendo sair nesta ala os famosos Nélson Cavaquinho e o velho Cartola. Imediatamente depois da Ala dos Diferentes desfilará a bateria, com 130 figurantes fantasiadas de escravos de libré. Depois, o primeiro mestre-sala, Delegado, cortejando a porta-bandeira, também famosa, Neide.
Fechando o desfile e simbolizando a frase “Mais um lamento de outrora, que vamos cantar agora, jamais esquecerei”, inúmeras baianas, ricamente fantasiadas, passarão pela avenida.
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Desfile desapontador: a Mangueira não brilha na avenida
Era 1h15 quando Estação Primeira de Mangueira rompeu na avenida com mais de 2.000 figurantes, trazendo como tema “História de um preto velho”. Quando os alto-falantes anunciaram a sua vez de desfilar, o público ovacionou-a entusiasticamente. A Mangueira apresentou uma comissão de frente formada por 14 meninos, 3 dos quais foram arrancados do cortejo por um fiscal do Juizado de Menores, sob protestos de populares. A sambista Noca, que viria com uma fantasia luxuosa, inscrita no concurso do Teatro Municipal, foi a grande ausente! Um derrame cerebral a afastou do desfile. Seu último carro foi pouco compreendido: poderia figurar numa Bienal, tal o seu abstracionismo. Gigi desfilou desta feita com reforço: também a sua mãe, d. Rute Esberad, vestia uma baiana estilizada.
Infelizmente o desfile não foi o que os mangueirenses esperavam. A grande decepção do desfile foi a Estação Primeira de Mangueira. E escola que sempre primava em suas apresentações pela animação dos seus sambistas, desta vez isto não aconteceu. Seus diretores gritavam insistentemente para que eles cantassem o samba-enredo e a maioria permanecia muda. O samba, por sua vez, era muito alto e quase não foram distribuídas letras ao público para a cantar. E, neste particular, a Mangueira ainda deu muito azar até o alto-falante de Jamelão escangalhou algumas vezes e ele foi obrigado a cantar no peito. Mangueira correu o risco inclusive, de não se classificar em quarto lugar.
Roberto Paulino, o “Robertinho”, presidente da Mangueira em 1964, em seu livro “Do Country Club à Mangueira” relata:
Em 1964 criamos o enredo “História de um preto velho”, que considerávamos muito bom. Os figurinos eram bem bonitos. Mas quebramos a cara completamente nas alegorias. Esse erro eu o assumo integralmente. Tive um gravíssimo erro de avaliação. Acho até que ainda não me recuperara do quarto lugar de “Casa grande & senzala”, e não tive a menor sensibilidade para avaliar bem a escolha que fizemos. Nessa época, eu vivia intensos problemas pessoais, familiares e profissionais. […] Mas voltemos às alegorias de “História de um preto velho”. Nuno Veloso me disse que Amílcar de Castro (um dos maiores artistas plásticos e gráficos brasileiros de todos os tempos, com vários prêmios de escultura e responsável pela reforma gráfica do JB) e Fernando Jackson Ribeiro (escultor premiadíssimo aqui e no exterior) estavam dispostos a fazer as alegorias. E de graça, o que era um componente muito forte àquela época. Achei ótimo e aceitei na hora. Errei. Os componentes de escola de samba e até o júri — que tinha de julgar dentro dos padrões vigentes — não estavam preparados para uma mudança tão radical. A arte de Amílcar e Jackson era excelente, mas exageradamente de vanguarda para os cânones das escolas de samba e dos desfiles de então. Amílcar pintou quadros lindos, que compunham um dos carros. Uma de suas esculturas típicas — do mesmo gênero que as de Lígia Clarck — um grande quadrado cortado e com movimento de parte da peça, em razão do corte — era a base de outro carro. O carro do preto velho tinha duas esculturas de ferro (o preto-velho e o filho dele) moderníssimas, que depois foram premiadas e adquiridas pelo Museu de Berlim, de autoria de Jackson. Os mangueirenses e os outros sambistas não entenderam coisa alguma. Estavam acostumados com outro tipo de alegoria. Foi um grande fracasso. Ainda por cima, o carro das esculturas de ferro ficou excessivamente pesado. No dia do desfile, fazia um calor tremendo e o asfalto amolecera. O carro afundava no asfalto e não saía do lugar. Foi um inferno para se chegar com o carro até a Presidente Vargas e fazê-lo percorrer a passarela. Resultado: seis pontos em alegoria e terceiro lugar no carnaval. (PAULINO, Roberto. “Do Country Club à Mangueira”. Rio de Janeiro, Letra Capital Editora, 2003.)
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A polêmica vitória da Portela no carnaval de 1964
A declaração da vitória da escola de samba Portela por apenas 1 voto de diferença sobre o Acadêmicos do Salgueiro, durante a contagem dos vencedores do carnaval de 1964, na antiga sede do Clube de Regatas Flamengo (localizado na praia do Flamengo, 66), gerou consideráveis descontentamentos, levando a tentativas de agressão entre os membros das escolas, além de vaias, lamentos e protestos.
Querem anulação
Depois de uma briga feia entre os membros das escolas vencedoras e perdedoras, que só parou quando a polícia chegou, os representantes do Salgueiro, Império Serrano e Unidos do Cabuçu foram até o Palácio Guanabara para reclamar sobre as injustiças. Eles foram recebidos pelo sr. Hélio Valcacer, que prometeu levar suas reclamações para o governador Carlos Lacerda. Na verdade, disseram que nem iam desfilar no próximo ano se o julgamento não fosse anulado. A diretoria do Salgueiro disse que os membros do júri foram trocados sem motivo e foi quebrado o sigilo quando o ator José Lewgoy contou seu voto para o jornalista Fábio Melo durante o desfile.
A mesa apuradora
Sob a presidência do sr. Vitor Bouças, Secretário de Turismo, a mesa apuradora era composta por uma equipe diversificada: o deputado Paulo Duque, Servan Heitor de Carvalho, Paulo Lamarão, Pedro Mibiele, Paulo Coutinho, Ivan Gomes, Antônio Jaber e Ademir Galvão. Os trabalhos começaram pontualmente às 15h com a abertura do primeiro envelope, que continha o nome do renomado ator José Lewgoy. Pouco depois, ao desvendar o conteúdo do envelope, o sr. Juvenal Lopes, representante da Mangueira, solicitou aos presentes um minuto de silêncio em memória de Ari Barroso, figura tão importante para a escola de samba Mangueira. Juvenal Lopes expressou que a escola entrou na avenida sob o peso da derrota, tendo recebido a notícia do falecimento do grande compositor.
Primeiras notas
As primeiras pontuações foram atribuídas às escolas de samba Unidos de Padre Miguel, Unidos da Capela, Império Serrano e Mangueira. À medida que mais notas eram reveladas, a multidão reunida na sede do Flamengo, juntamente com representantes das escolas, vaiava os membros do júri. A Portela superou o Salgueiro tanto em conjunto quanto em alegoria, e na contagem final obteve 59 votos, enquanto os Acadêmicos do Salgueiro ficaram com 58, sofrendo ainda uma penalidade por ter interrompido o desfile.
Sobre essa apuração, no jornal “O Globo” de 15/02/1964, um artigo com o título: “Sambistas deploram os resultados dos desfiles”, descreve bem o ocorrido:
Foi má, em toda a cidade, a repercussão dos resultados dos desfiles do carnaval deste ano, principalmente de escolas de samba do 1. ° grupo, de que a Portela foi vencedora. A classificação está sendo tachada, pelos sambistas, de vergonhosa e desonesta, uma vez que o júri do desfile, além de ter sido convocado horas antes afirmam, era composto por pessoas incapacitadas para julgar um concurso de escolas de samba. O sigilo dos votos foi quebrado pelo ator José Lewgoy e por Milton Morais, conforme afirma o jornalista Fábio Melo. Ontem, corriam rumores de que o governador Carlos Lacerda, ante a onda dos protestos, se interessou pelo assunto. Dirigentes das escolas de samba Império Serrano, Acadêmicos do Salgueiro, Unidos do Cabuçu, Unidos de Padre Miguel, entre outros que à noite compareceram ao programa da TV-Continental, afirmaram que, se não forem anulados os resultados, suas agremiações não participarão do carnaval do IV Centenário.
Na Mangueira
Ao saber do resultado, 3. ° posto, os mangueirenses, que tinham como certo obter apenas a quarta ou quinta colocação, exultaram de alegria. Festejou-se no morro, mas, em meio a isso, lamentou-se a classificação dada à Império Serrano, que, ao entender da maioria, merecia ter vencido. O veterano mestre-sala Delegado lembrou a necessidade de moralizar os próximos desfiles, para que não aconteça com outra qualquer escola o que houve com a Mangueira em 62 e que se repetiu este ano com a Império Serrano.
— A Mangueira, pelo menos os sambistas, estão solidários com as escolas prejudicadas e dispostos a apoiar qualquer medida moralizante. Em alegorias, e samba, disse, ninguém foi tão feliz como a Império, que a todos surpreendeu com o carnaval mais bonito dos últimos anos.
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“O enredo de Mangueira é a comovente HISTÓRIA DE UM PRETO VELHO” — conta d. Neuma — “a vida de um negro filho de um grande rei nagô, aprisionado e trazido como escravo, para a Bahia. É história verdadeira” acentua. “Ele foi muito importante. Comprou sua própria alforria e a de sua família. Veio para o Rio. Aqui um filho de seu ex-senhor o encontrou e fez chefe dos escravos da Côrte. Gozava da estima e respeito de senhores e escravos porque era muito honesto e bom. Muito velhinho voltou para a Bahia, para ajudar seus irmãos ainda cativos e contar histórias do casamento de príncipes e princesas que assistiu na Côrte. Como está no enredo: ‘Foi personagem ocular / da fidalguia secular’”, termina ela cantando.
Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo. “História de um preto velho, carnaval 1964”. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://memoriaverderosa.com.br/carnaval-1964/>. Acesso em: 24/04/2025.
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- Inovação do Salgueiro no ano de 1963. Uma ala de 12 pares de nobres que dançavam polca ao ritmo de samba: o Minueto de Xica da Silva. ↩︎
- Mercedes Baptista (Campos dos Goytacazes, 20 de maio de 1921 — Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2014) foi bailarina e coreógrafa, a primeira negra a integrar o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. ↩︎
- Carlos Frederico Werneck de Lacerda (Rio de Janeiro, 30 de abril de 1914 – Rio de Janeiro, 21 de maio de 1977) foi um jornalista e político brasileiro. Foi membro da União Democrática Nacional (UDN), vereador (1947), deputado federal (1955–60) e governador do estado da Guanabara (1960–65). Foi fundador (em 1949) e proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, assim como criador (em 1965) da editora Nova Fronteira. ↩︎
- Fardamento provido de galões e botões distintivos. Usados pelos criados de casas nobres e senhoriais. ↩︎
- Filhos de Gandhy é um afoxé brasileiro fundado por estivadores portuários de Salvador no dia 18 de fevereiro de 1949. Contando com aproximadamente 10 mil integrantes, tornou-se o maior afoxé do Carnaval de Salvador, município e capital do estado da Bahia. Constituído exclusivamente por homens e inspirado nos princípios de não-violência e paz do ativista indiano Mahatma Gandhi, o bloco traz a tradição da religião de matriz africana ritmada pelo agogô nos seus cânticos de ijexá na língua iorubá. Utilizaram lençóis e toalhas brancos como fantasia, para simbolizar as vestes indianas. ↩︎
- Trajes de festa, reunião social, sessão de cinema, teatro etc., que acontecem à noite. ↩︎
- Amílcar de Castro (Paraisópolis, 8 de junho de 1920 — Belo Horizonte, 21 de novembro de 2002) foi um escultor, artista plástico e designer gráfico brasileiro. Introduziu a reforma gráfica do Jornal do Brasil nos anos 1950, que revolucionou a diagramação, e design de jornais como um todo, no Brasil. ↩︎
- Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, 26 de julho de 1937 — Rio de Janeiro, 22 de março de 1980) foi um pintor, escultor, artista plástico e performático de aspirações anarquistas. É considerado um dos maiores artistas da história da arte brasileira. ↩︎
- Vicente Ferreira Pastinha, mais conhecido por Mestre Pastinha (Salvador, 5 de abril de 1889 – Salvador, 13 de novembro de 1981), foi um mestre brasileiro de capoeira. Mestre Pastinha dizia não ter aprendido a Capoeira em escola, mas “com a sorte”. Afinal, foi o destino o responsável pela iniciação do pequeno Pastinha no jogo, ainda garoto. Em depoimento prestado no ano de 1967, no “Museu da Imagem e do Som”, Mestre Pastinha relatou a história da sua vida: “Quando eu tinha uns dez anos — eu fui franzidinho — um outro menino mais forte do que eu, se tornou meu rival. Era só eu sair para a rua — ir à venda fazer compra, por exemplo — e a gente se pegava em briga. Só sei que acabava apanhando dele, sempre. Então eu ia chorar escondido de vergonha e de tristeza.” A vida iria dar ao moleque Pastinha a oportunidade de um aprendizado que marcaria todos os anos da sua longa existência. “Um dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a uma briga da gente. Vem cá, meu filho, ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de apanhar. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu “cazuá” que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui”. Começou então a formação do mestre que dedicaria sua vida à transferência do legado da Cultura Africana a muitas gerações. Segundo ele, a partir deste momento, o aprendizado se dava a cada dia, até que aprendeu tudo. Além das técnicas, muito mais lhe foi ensinado por Benedito, seu professor africano. “Ele costumava dizer: não provoque, menino, vai botando devagarinho ele sabedor do que você sabe (…). Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito.” ↩︎
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