Elmo: o “Rato do Tamborim”, e seu amor pela Mangueira

Cresci no morro da Mangueira, onde meu tio Chico Porrão foi o primeiro ensaiador da escola de samba. Naquela época, não havia diretor de harmonia, apenas o ensaiador. Meu pai, mestre Tinguinha, foi o responsável por fundar a bateria da Mangueira, que naquela época contava apenas com vinte e dois instrumentos guardados em nossa casa. Ele tinha muito ciúme desses instrumentos, pois eram poucos e os tambores eram encourados com pele de gatos, um material caro e difícil de encontrar.

A primeira peça de tarraxa para a bateria foi um presente do prefeito Pedro Ernesto1, que havia ido inaugurar uma escola pública no morro da Mangueira. Nossa primeira sede, com apenas 30 metros quadrados, era feita de zinco e, devido à ferrugem, molhava tudo quando chovia. Por esse motivo, meu pai decidiu levar os instrumentos para nossa casa, já que lá chovia menos do que na sede da escola de samba.

Meu pai retirava os instrumentos do sótão e quando chegavam os trajes da bateria, precisávamos ir para a casa da minha avó porque não havia espaço para dormirmos. Meu pai fundou a ala da bateria em 1959 e cada ritmista usava sapatos, tênis e calças diferentes uns dos outros, e nós ficávamos envergonhados da bateria da Portela, que era mais organizada e maior. Então, ele decidiu fundar a bateria da Mangueira.

Conheci muitos mestres no morro, como Cartola e Carlos Cachaça, este último foi o primeiro Presidente de Honra da Mangueira, que eu nomeei assim que assumi a presidência. Tive a oportunidade de conhecer Marcelino José Claudino, o primeiro mestre-sala de todas as escolas de samba e fundador da Estação Primeira Mangueira, além de ter a felicidade de conhecer o mestre Waldomiro, que me ensinou a tocar todos os instrumentos.

Depois de um tempo, ainda criança, íamos para as competições e os instrumentos que fazíamos de papelão acabavam furando. Então, eu pegava os instrumentos da bateria em casa, mas quando meu pai descobria, ele repreendia a todos, sem se importar em saber quem era culpado e quem não era.

Meu tio Chico Porrão costumava dar dinheiro para quem ganhasse o concurso, e meu apelido era “rato de tamborim”. Ele sempre questionava: “Rato, vamos perder para aqueles caras do Chalé? Vamos ser mané?”. Ser chamado de “mané” era considerado a maior ofensa no morro, e minha irmã dizia: “Somos do buraco quente, a zona sul do morro”.

Waldomiro Tomé Pimenta criou a primeira “bateria mirim” e selecionou 50 garotos de todo o morro, mas como a Mangueira só tinha recursos para bancar 30 crianças, apenas os melhores permaneceriam. Assim, tínhamos que tocar quatro instrumentos durante um ano, e era necessário provar amor por aquele instrumento. Eu queria tocar a caixa, pois era apaixonado por esse instrumento, mas meu pai, que era o principal tarolista da Mangueira, não permitiu. Um dia, enquanto limpava a caixa, meu pai questionou o motivo, e eu respondi que era meu instrumento. Ele disse que eu ainda não estava preparado e que deveria tocar o chocalho. Comecei a chorar, fui para casa em lágrimas e meu pai brigou comigo, dizendo que eu deveria me sentir honrado por ter sido escolhido para desfilar na Mangueira, comparando a seleção brasileira. Assim, desfilei aos nove anos com o chocalho na avenida.

Quando a Estação Primeira da Mangueira foi anunciada na avenida, o povo cantou em coro atrás da Mangueira “lê lê ô lê lê ô, a Mangueira já ganhou ô lê lê ô, a Mangueira deu olé, lê lê ô lê lê ô, a Mangueira é Pelé”. Meu pai, todo empolgado, gritava enquanto íamos até o morro cantando! (risos) Eu já era músico profissional quando o mestre Waldomiro faleceu aos 80 anos e mais de 200 ritmistas na quadra choravam sua perda. No cortejo, mais de 250 homens da Mangueira acompanharam até o cemitério do Caju, onde ele foi enterrado.

Dentro do cemitério, meu pai abriu o caixão e pegou o apito que Waldomiro carregava no peito, colocando-o no pescoço do Chibito, seu sucessor preparado. Assim, Chibito se tornou o primeiro diretor de bateria com o rufar dos instrumentos dos ritmistas que compunham o cortejo. Na Mangueira, atuei como compositor, ganhei samba-enredo em 79, fui passista, diretor de harmonia, secretário de bateria, relações públicas e presidente da Mangueira de abril de 1995 a abril de 2001. Passei por todos os segmentos da escola, aprendendo com grandes mestres como Cartola, Shampoo, Dona Zica, Nelson Sargento e Dona Neuma. Ao tomar posse como presidente, Nelson Sargento me disse: “Olha, filhote de Tinguinha, a Mangueira é uma grande árvore frondosa que tem raízes, tronco, galhos e dá frutos saborosos, e por mais que os galhos cresçam, o tronco sempre será maior e você nesta árvore é apenas um galho”.

Nunca mais esqueci aquelas palavras. Já são 16 anos na Liga, uma verdadeira honra para alguém que cresceu no morro, em um lugar onde as oportunidades eram escassas, pois muitos morriam sem querer e os barracos podiam desabar quando chovia. A solidariedade entre vizinhos era essencial e sou imensamente grato ao meu pai, minha mãe e a Deus por tudo. Sinto-me como um sobrevivente, uma pequena formiga que carrega a bandeira do samba. Hoje vejo mudanças, pois o samba costumava ser marginalizado. Cartola, Paulo da Portela, Fuleiro e até tia Ciata2 eram agredidos pela polícia quando seguravam seus pandeiros. Mas, por serem do samba, nunca se curvaram. (ELMO JOSÉ DOS SANTOS)

  1. Pedro Ernesto do Rego Baptista (Recife, 25 de setembro de 1884 — Rio de Janeiro, 10 de agosto de 1942) foi um médico e político brasileiro. Foi prefeito do então Distrito Federal por dois períodos, entre 30 de setembro de 1931 e 2 de outubro de 1934, bem como entre 7 de abril de 1935 e 4 de abril de 1936. Pedro Ernesto foi revolucionário de 22, 26 e 30, e era chamado de “Mãe dos Tenentes” pelo respeito e admiração que tinham por ele. Primeiro político a dar apoio financeiro ao carnaval — dentro de um projeto que visava transformar o Rio de Janeiro numa potência do turismo —, Pedro Ernesto foi considerado um dos maiores benfeitores das escolas de samba, e alcançou tamanha popularidade que chegou a ser cotado para a Presidência da República, antes de ser preso, sob acusação de ser comunista. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Pedro_Ernesto&oldid=67120128>. Acesso em: 15 dez. 2023. ↩︎
  2. Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata (Santo Amaro da Purificação, 13 de janeiro de 1854 – Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1924) foi uma sambista, mãe de santo brasileira e curandeira, considerada por muitos como uma das figuras mais influentes para o surgimento do samba carioca. Foi iniciada no candomblé em Salvador por Bamboxê Obiticô e era filha de Oxum. No Rio de Janeiro, era iaquequerê na casa de João Alabá. Também ficou marcada como uma das principais animadoras da cultura afro-brasileira, sobretudo na região central carioca. Em sua casa na Praça Onze, onde os sambistas se reuniam, foi criado o primeiro samba gravado em disco. Tia Ciata se tornou a grande dama das comunidades negras no Brasil pós-abolição e uma das principais incentivadoras do samba depois de abrir as portas de sua casa para reuniões de sambistas pioneiros quando a prática ainda era proibida por lei. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Tia_Ciata&oldid=67474911>. Acesso em: 13 fev. 2024. ↩︎

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