
No alto do Morro da Mangueira, onde o samba se mistura ao cotidiano e a história ganha vida a cada esquina, nasceu uma das figuras mais emblemáticas do Carnaval carioca: Égio Laurindo da Silva, o Delegado. Era 1921, em uma região conhecida como Santo Antônio, um canto do morro que guarda as marcas de um passado de resistência e recomeços. A Mangueira, com suas vielas pulsantes e seu perfume de amendoeiras, já florescia como berço de cultura e identidade, recebendo aqueles que buscavam na música e na comunidade uma forma de reconstruir suas histórias. E foi nesse cenário, entre o batuque das escolas de samba e os sorrisos de crianças que improvisavam coreografias, que Delegado começou a traçar sua lendária trajetória. Filho de um operário apaixonado pela gafieira e de uma doceira dedicada, Égio cresceu absorvendo as melodias e ritmos que ecoavam pelo morro. Desde cedo, mostrava um fascínio particular pela elegância e pelo movimento da dança. Aos sete anos, inspirado pelos mestres-salas do morro, Delegado pegava uma vassoura, colocava um disco no rádio e dançava como se estivesse no centro de um desfile. Essa paixão pela arte de guardar a bandeira o acompanharia por toda a vida, transformando-o em um símbolo de excelência e dedicação. Mas a história de Delegado vai além de sua habilidade única como mestre-sala. Ele foi, antes de tudo, um homem moldado pelas complexidades de seu tempo. Em um país onde o racismo estrutural frequentemente impunha barreiras intransponíveis, Delegado experimentou a exclusão e a discriminação de forma contundente. Sua tentativa de ingressar no futebol profissional — e a recusa do Fluminense devido à cor de sua pele — permanece como um lembrete doloroso, mas também como um testemunho de resiliência. Se o esporte o rejeitou, o samba o abraçou com todas as suas forças. Na Mangueira, Delegado não apenas encontrou seu lugar, mas também construiu um legado. Aos 22 anos, estreava como mestre-sala, e o resto, como dizem, é história. Ao lado das porta-bandeiras Nininha Chochoba, Neide e Mocinha, conquistou a nota máxima em todos os desfiles de sua carreira, acumulando títulos e deixando uma marca indelével no Carnaval brasileiro. Seu estilo refinado e sua técnica impecável eram complementados por uma malandragem elegante, traduzida em passos exclusivos. Delegado era a essência do samba em movimento, um artista que dominava o palco como poucos. O capítulo que se inicia mergulha nessa história cheia de contradições e triunfos. Mais do que narrar a vida de um ícone, ele nos convida a refletir sobre as pessoas que moldaram a Mangueira e o próprio Carnaval. Ao acompanhar a trajetória de Delegado, o leitor é transportado para um universo onde o ritmo é resistência, onde a arte desafia as adversidades e onde cada passo de dança carrega o peso de uma cultura que se recusa a ser esquecida. Que tal desvendar os bastidores de um reinado tão singular? Avancemos, pois, na trilha deixada pelo maior mestre-sala da história.
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Como citar esse artigo — OLIVEIRA, Marcelo. “DEZ, DEZ, DEZ…”. In: MEMÓRIA Verde Rosa. Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: <https://memoriaverderosa.com.br/delegado/>. Acesso em: 21.02.2025.
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